A carioca de hoje é uma querida da minha vida desde os saudosos tempos daquela redação de O Globo que não voltam mais. Nem os tempos, muito menos a redação. Heloísa Seixas, que conheci jornalista, virou uma senhora escritora. Premiadíssima. Há dias, foi premiada pelo musical “Bilac vê estrelas”, no qual assinou o texto, e ainda recebeu a notícia de que foi selecionada para o Prêmio Jabuti por seu lindíssimo e delicado ” O Oitavo Selo”, romance ( ou quase romance, como ela define), lançado no ano passado. É a terceira vez que Helô é indicada para o mais importante prêmio da literatura brasileira e, até novembro, quando sai o resultado, é grande a expectativa dela e imensa a torcida de seus muitos fãs. Neste livro, delicado e muito bem escrito, seu marido, o jornalista Ruy Castro, é um dos personagens. Aliás, como a pessoa inteligente e rara que é, Heloísa define Ruy como “A Cara do Rio” ( e ele brevemente estará aqui, perfilado, nesse cantinho tão especial) e é em companhia dele que frequenta as rodas de samba do Renascença, o calçadão de Ipanema, o Caranguejo, na Rua Barata Ribeiro, pra comer a melhor empada de camarão do Rio. Confiram mais do Rio de Heloísa Seixas.
A cara do Rio
Ruy Castro, é o maior carioca que eu conheço, embora tenha nascido “longe de casa”. Mas, como ele mesmo diz, “gato que nasce em forno não é biscoito”. E como os pais dele moravam na Lapa, onde tinham uma pensão, até 1947 (um ano antes do nascimento dele), Ruy garante que foi gerado no Rio. Para mim, ninguém tem mais a cara do Rio do que ele.
A imagem do Rio
O Cristo, claro. O que mais?
O que me faz falta no Rio
Um pouco mais de educação no trânsito.
Rio antigo
A Praça Quinze, com suas construções belíssimas, as igrejas, o Paço, o Convento do Carmo, o Arco do Teles, o Chafariz do Mestre Valentim. Agora, então, que realizamos o nosso sonho maior, a derrubada da Perimetral, aí mesmo é que ficou uma beleza.
Rio de hoje
Somos, Ruy e eu, dois apaixonados pela cidade, que percorremos inteira. Então vou citar três pontos da cidade bem diferentes entre si, dos quais desfrutamos sempre: o quiosque em frente ao Colégio São Paulo, em Ipanema, onde tomamos água de coco todos os dias depois da caminhada; o Clube Renascença, no Andaraí, aonde, sempre que podemos, vamos ao Samba do Trabalhador, ver e ouvir Moacyr Luz e sua turma e comer alguma comida pesadíssima e deliciosa; e a Livraria da Travessa de Ipanema, onde passeamos entre os livros e batemos papo com nossos amigos Marcelo, Benjamim e Flamínio. Nesses lugares, estamos em casa.
Rio do futuro
O Porto Maravilha. Estou louca para ver aquele bulevar pronto, para ir ao Aquário e sair, caminhando ou de VLT, com paradas no MAR e no Museu do Amanhã, depois seguindo pela orla até a Praça Quinze. Quer maravilha maior?
Não podia ter acabado
Sou especialmente ‘viúva’ de dois lugares que não existem mais: o Garcia e Rodrigues, perto da nossa casa, e a queridíssima Modern Sound, em Copacabana, uma perda irreparável para a cidade.
Tem que ter
Mais cariocas defendendo o Rio. Como é uma cidade de muita visibilidade, tudo o que acontece aqui tem uma repercussão imensa, principalmente as notícias ruins. O Rio é às vezes demonizado — pela imprensa, pelos brasileiros e pelos próprios cariocas. Temos de balancear mais as coisas, tentar mostrar também as inúmeras facetas boas, aí incluídos paisagens e pessoas. Nem sempre somos justos com o Rio.
A comida do Rio
É o que chamamos de Baixa Gastronomia, a maravilhosa comida de botequim, sem frescura. Adega Pérola, Aconhego Carioca, Bar da Frente, a lista é interminável. E também os restaurantes tradicionais, classudos, com garçons de summer e guardanapo de pano. São muitos, ainda, felizmente, mas vou citar apenas alguns que me vêm à mente: a Colombo, o Bar Lagoa, o Adegão Português.
A bebida do Rio
Para mim, é o mate misturado com limão, naqueles lindos e prateados tambores, na praia, companheiros desde a minha adolescência.
O seu restaurante no Rio
O Caranguejo, na Barata Ribeiro, em Copacabana. Deliciosos frutos do mar e a melhor empadinha de camarão do Brasil (foi eleita, é verdade!).
O seu bar no Rio
Não bebo, por isso não frequento bares, mas vou eleger o Bar Jóia, na rua Jardim Botânico. Embora ele esteja hoje com uma cara diferente, lembro que já existia nos anos 50, quando eu morava ali do lado, no número 12 da rua Faro (nasci no Jardim Botânico e só com 7 anos me mudei para o Leblon). Ficava ao lado da farmácia do Seu Pedro, onde eu tomava injeção!
E quando chove no Rio?
Ruy tem a frase definitiva e vou repetir aqui: O Rio com chuva é a segunda cidade mais linda do mundo.
A música do Rio
Samba, choro, bossa nova, tudo é coisa nossa. Essa história de que o samba nasceu na Bahia é brincadeira. O samba nasceu no Estácio. É do Rio a grande música brasileira, isso é incontestável.
Escola de samba
Tenho uma saia-justa aí. Vou dizer uma coisa que todos acharão absurda: sou Império e Portela ao mesmo tempo. Amo a Portela, torço muito por ela. E sou também completamente apaixonada pelo Império Serrano, que tem passado por momentos difíceis. Posso, então, dizer que, em matéria de samba, sou Madureira. Quando eu era jovem, frequentava as quadras dessas duas escolas (no caso da Portela, nos ensaios que aconteciam no Mourisco) e aprendi a amar as duas. Mas se me botassem uma faca no pescoço e me obrigassem a fazer uma escolha — aí, não ia ter jeito. Eu escolheria o Império.
Time de futebol
Sou tricolor, assim como meu pai. Quando era adolescente, ia muito ao Maracanã, torcia muito. Depois, me desliguei e durante anos fiquei bastante alheia de futebol. Só torcia na Copa do Mundo. Voltei a me interessar quando conheci o Ruy. Hoje, discutimos futebol quase que de igual para igual. Eu gosto até de ver resenha! Mas em dia de Fla-Flu vemos o jogo cada um em sua casa… Ainda bem que moramos separados.
Menino do Rio
Vou citar dois, muito queridos, meus parceiros: Aldir Blanc e Nei Lopes.
Menina do Rio
Fernanda Montenegro, essa mulher extraordinária. Ou, como ela mesma se definiu em uma entrevista à TV americana, na época da indicação para o Oscar, “the old lady from Ipanema”.
Um (a) carioca que deixou saudade
Ninguém deixou mais saudade do que Tom Jobim. Mas, pensando bem, não deixou saudade, deixou milhares de melodias e palavras lindas, que estão por aí — para sempre.