por Anna Ramalho
Não se pode imaginar a dor de uma saudade se não a sentimos – e este quase ano e meio de reclusão pandêmica elevou o patamar da saudade a níveis inimagináveis. As perdas reais, as perdas a que assistimos perplexos, atarantados, revoltados, as perdas de cada um e de todos. Nunca tinha parado para tentar definir o tamanho dessas ausências todas, que se acumularam com outras já vividas em tempos idos, uma vazio que em alguns momentos ainda me faz sentir mutilada, quebrada, desconjuntada, sei lá.
Estava assim meio down – e apesar de todos os movimentos que faço para não dar chance ao baixo astral – quando recebi o convite para um fim-de-semana na centenária Fazenda Barra do Peixe, em Além Paraíba (RJ), quando nossa anfitriã Anna Candida receberia um pequeno grupo para comemorar os 60 anos do nosso querido amigo Paulo Reis.
Agradecerei a Deus todos os dias por este convite que me deu o que pensar.
Éramos 14 pessoas, quando em outros tempos teríamos sido 140 ou, vá lá, 70.
Mas não podemos aglomerar. Nós, não. Não passa pela cabeça de ninguém do seleto grupo dar o ataque de pelanca que deu a tal “socialite” paulistana que ainda cobrava mil reais de ingresso para uma festa clandestina . Difícil o Brasil de hoje, né, não?
Insuportável!
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Voltando à fazenda, que é deslumbrante, aliás, cenário de grande, movimentada e elegante parte da vida social do Rio de Janeiro, ao tempo de Candinha e Joaquim Guilherme da Silveira. Os convidados todos tinham sua razão de ali estar: havia os amigos de adolescência do Paulo e do Chicô – Ludmilla, Paulinho, Homero e Vera; os amigos de muitos e muitos anos, como a Marcia e o nosso embaixador Marco Antonio; além desta Marcia dos muitos anos, mais três Marcia de tempos variados, mas todas bem amigas; a Angela e as duas Anna – a anfitriã e eu.
Nem todos se conheciam e aí deu-se a mágica: foi uma total harmonia, um encontro de almas, se é que posso exagerar. Atribuo muito dessa felicidade à alegria que todos sentíamos de poder estar ali, em volta da grande mesa ou conversando na sala da pianola como se realmente estivéssemos de volta aos grandes salões do século 19. Era tão real a nossa fantasia (existe isso, juro) que chegamos a delirar com um grande baile de época em que usaríamos anquinhas e casacas, sombrinhas e cartolas. Todos chegando de carruagem, claro.
Rimos muito, falamos mais do que a boca (a fala represada dá nisso!), bebemos todas e comemos divinamente. Tivemos direito até a rezar na linda capelinha de Nossa Senhora de Belém, que fica na sala de jantar. Rezei muito: lá e cá. Agradecendo sempre.
Já dizia minha mãe, em carta que me escreveu quando, aos 18 anos, fui de navio para férias em Buenos Aires: “Faça novos amigos nessa viagem. Amigo é das coisas mais importantes da vida, porque amigos escolhemos e eles nos escolhem”. Grande Honorina! Sabia tudo. Fiz amigos e eles são bens muito preciosos, irmãos que a vida me deu.
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Voltei renovada e cheia de energia. O amor energiza, a inteligência cutuca, a cultura enriquece, o riso libera. Tivemos tudo isso e muito mais.
Com um detalhe importantíssimo: Jair Bolsonaro esteve fora de pauta a maior parte do tempo. Quando, por acaso, virava assunto, era só paulada. Não poderia ser diferente naquele grupo.
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Razão sempre teve Vinicius de Moraes, nosso Poeta, o grande compositor, o “branco mais preto do Brasil”, no Samba da Bênção: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”.
Feliz sessentão, Paulo! Até a próxima, turma querida.