por Vagner Fernandes
Há cerca de um mês celebrei a vitória de ter conquistado uma cadeira no doutorado em um curso de pós-graduação na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Ontem, decidi abdicar da vaga. Em meio à pandemia, a prioridade tem sido a luta pela sobrevivência. O meio acadêmico não é generoso com quem trabalha. É um universo excludente por natureza. Praticamente todos os cursos stricto sensu de universidades públicas brasileiras são diurnos. Bolsista não pode ter garantia trabalhista com carteira assinada. Precisa viver na clandestinidade, complementando renda com um freela aqui e outro acolá para não sucumbir com as bolsas miseráveis ofertadas pelos governos estadual e federal, que variam entre R$ 1.500,00 (mestrado) e R$ 2.200,00 (doutorado).
A academia pede dedicação exclusiva. Se você não é bolsista e bate o ponto, precisa contar com a compreensão do chefe para liberá-lo em dias e horários de aula. O prazer vai se convertendo em um inferno. Porque ou o aluno se dedica a pagar os boletos no fim do mês ou se pauta pela rotina dos cursos de pós, lendo, escrevendo, pesquisando. Uma amiga passou recentemente por enorme constrangimento na banca de qualificação após ouvir que ela era mais jornalista do que pesquisadora. É uma afronta aos que se esforçam e buscam acolhimento e novos caminhos para reexistir no mercado. É um discurso contradizente às narrativas da academia, que vive a publicizar a defesa da democratização do ensino superior. O filho da empregada pode ter diploma de graduação, mas intentar ser mestre e doutor é um pouco demais, não? Ele deixa a reserva de mercado e vira concorrente.
O Brasil que regride e encolhe com o governo Bolsonaro roga por uma academia progressista, que se ressignifique deixando para trás modelos anacrônicos preconizados pela maioria das instituições europeias de ensino, com histórico hoje já questionável, de valorização suprema da erudição da palavra. A academia brasileira que celebra e bate no peito ter no país algumas das melhores universidades do mundo é a mesma que cultua e superestima títulos obtidos na Sorbonne, em Harvard e em Oxford, em cujos corredores sempre circularam majoritariamente as elites e a classe clerical de primeira grandeza. Não há como a academia de um país colonizado, forjado na senzala, se alforriar sem deixar de reproduzir a dinâmica das relações de seus malfeitores.
O Brasil precisa de mais Achille Mbembe e menos Foucault; mais Kabengele Munanga e menos Agamben; mais Luís Bernardo Honwana e menos Lyotard. Durante uma aula magna na Uerj, há dois anos, Carlos Moore, escritor, pesquisador e cientista social cubano, um dos mais importantes pensadores contemporâneos da atualidade, foi aplaudido de pé quando destacou a obsessão acadêmica por teóricos europeus. “Tem de ter Foucault. Se não tiver, vocês sabem o que acontece”, disse. Não se trata de profecia, apenas uma constatação de quem corta um dobrado para conquistar espaço em um ambiente marcado pela arrogância dos quem sempre empunham a bandeira do ensino civilizatório. Na sutileza, vão te cancelando até que, exaurido, você se auto-cancele. Não caio nessa arapuca. Cancelei o projeto doutorado 2021, mas retorno em breve com o Pedro Archanjo que habita em mim.