por Bruno Cavalcanti
Vânia Bastos, Túlio Mourão e Rafa Castro
Show: Tons de Minas
Data: 12 de janeiro de 2019 (em cartaz desde 11 de janeiro)
Local: Teatro do Sesc Santo André – Santo André (SP)
COTAÇÃO: ***** (excelente)
Cantora de afinação absoluta que, há 33 anos, iniciou carreira solo pautada ainda por estranhezas sonoras dos trabalhos que construiu ao lado de Arrigo Barnabé como integrante do movimento cultural conhecido como Vanguarda Paulista, Vânia Bastos foi tateando seu caminho em uma discografia eclética de rara clareza estilística sobre o que associar a seu canto.
Tons de Minas, show que a cantora divide com os pianistas Túlio Mourão e Rafa Castro, e que estreou com duas apresentações neste fim de semana no Teatro do Sesc Santo André, no ABC Paulista, é mais um destes momentos iluminados. Ousada, a formação musical de voz e dois pianos transforma um show de música popular em um concerto de câmara, dando a Vânia a possibilidade de, uma vez mais, se comprovar uma das melhores cantoras de sua geração.
Diferente de seu show anterior, no qual se debruçava sobre a obra de Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha, sob a batuta de Marcos Paiva, Vânia dessa vez abre o leque estilístico ao interpretar temas do cancioneiro popular mineiro, composto por autores que fizeram da música de Minas um dos pilares da cultura nacional.
Passeando (majoritariamente) pelo repertório do primeiro volume do projeto Clube da Esquina (1972), Vânia atiça a memória afetiva do público ao pescar, uma vez mais, pérolas como Nascente (Flávio Venturini/ Murilo Antunes), Tudo o que Você Podia Ser (Lô Borges/ Márcio Borges) e Paisagem da Janela (Lô Borges/ Fernando Brant), entre outras canções que já ganharam a voz da interprete em um de seus mais inspirados discos, Vânia Bastos Canta o Clube da Esquina (2002).
Neste show, contudo, há espaço para canções de menor apelo popular, como a bonita Choveu (Beto Guedes/ Ronaldo Bastos) e de maior apelo, como Resposta (Samuel Rosa/ Nando Reis), canções que dialogam não apenas com a temática do show, mas que também surgem homogêneas no toque dos pianos de Túlio Mourão e Rafa Castro.
A dupla, aliás, tem merecido destaque no show dirigido pelo produtor musical Fran Carlo. O número de abertura é um dueto entre os dois pianos ao som de Casulo, belíssima peça composta por Rafa Castro que, já próximo do fim, deságua em bonita referência a Cais (Milton Nascimento/ Ronaldo Bastos), segunda canção da noite já com a participação de Bastos, com singela citação a “Correnteza” (Antônio Carlos Jobim/ Luiz Bonfá).
O show é dividido pelo trio não à toa. Além de ser um dos pianistas mais importantes de sua geração, Túlio Mourão construiu uma carreira (inter)nacional ao lado de nomes como Os Mutantes, Mercedes Sosa, Jon Anderson, e assinou composições gravadas por Bob Dylan, e outras em parceria com Milton Nascimento. A figura de Mourão é reverenciada em cena por Bastos, inclusive, na interpretação de Teia de Renda, uma de suas melhores composições com Milton, que tem a poesia valorizada na voz de fino trato de Bastos.
Nome emergente no cenário da música popular, Rafa Castro também tem sua presença valorizada em cena, dividindo os vocais com a cantora em Nada Será como Antes (Milton Nascimento/ Ronaldo Bastos) e na autoral Fronteira, bela canção que dá título a seu último disco autoral lançado em 2017. O pianista também se comprova excelente cantor de tom mais intimista ao solar a significativa Um Gosto de Sol (Milton Nascimento/ Ronaldo Bastos).
E é neste tom de igualdade cênica que o trio arranca coro espontâneo da plateia ao som de Românticos, pérola pop do repertório de Vander Lee lançada em 1999 e, inacreditavelmente, pouco visitada dentro do cancioneiro da música popular.
É também neste tom de cumplicidade com o público que o grupo se permite encerrar o show (antes do BIS) fugindo de qualquer condescendência com a plateia ao som da supracitada Fronteira, perfeito anticlímax que comprova que Tons de Minas não é um espetáculo feito para o coro das multidões. É espetáculo sensível em que a canção fica em primeiro plano num roteiro que busca desvendar um pouco dos mistérios que abarcam o repertório popular da música mineira.
Tudo isso sob uma falsa simplicidade do som de dois pianos virtuoses e a voz de uma das melhores interpretes de sua geração, que há quase 40 anos se envolvia nos experimentos sonoros do alquimista do som Arrigo Barnabé, mas hoje vai na contramão em busca dos barulhos causados pelos silêncios, como os que pautam Tons de Minas, ótimo espetáculo que merece registro imediato em DVD, seja pelo excelente repertório, seja pela belíssima luz desenhada por João Nunes que eleva o show a um patamar celestial.
Foto: Vinicius Campos
Confira abaixo o repertório seguido na noite de 12 de janeiro em show acompanhado por esta coluna:
1- Casulo (Rafa Castro)
2- Cais (Milton Nascimento/ Ronaldo Bastos)
3- Choveu (Beto Guedes/ Ronaldo Bastos)
4- Nada Será como Antes (Milton Nascimento/ Ronaldo Bastos)
5- Tudo o que Você Podia Ser (Lô Borges/ Márcio Borges)
6- Nascente (Flávio Venturini/ Murilo Antunes)
7- San Vicente (Milton Nascimento/ Fernando Brant)
8- Um Gosto de Sol (Milton Nascimento/ Ronaldo Bastos)
9- Teia de Renda (Milton Nascimento/ Túlio Mourão)
10- Românticos (Vander Lee)
11- Resposta (Samuel Rosa/ Nando Reis)
12- Paisagem da Janela (Lô Borges/ Fernando Brant)
13- Fronteira (Rafa Castro)
BIS
01- Um Girassol da Cor do seu Cabelo (Lô Borges/ Márcio Borges)