por Bruno Cavalcanti
Assumir a remontagem de um espetáculo que se tornou icônico na memória afetiva de um público ávido pela produção do teatro musical brasileiro já é uma constante. Embora não seja necessariamente inédito, a “onda de revivals” vem ganhando força nos últimos anos. Foi assim com o blockbuster épico Les Miserables, que retornou ao Brasil em 2017, 17 anos após sua primeira montagem nos anos 2000.
A versão encenada em 2017 não guardava toda a beleza e a força do primeiro, ficando aquém de sua montagem original, principalmente na escalação de um elenco pouco preparado para a empreitada. Mais feliz foi a remontagem de Rent, que, 18 anos após a versão original, arrematou um público novo e, a despeito da irregularidade da direção, do elenco e das versões, conseguiu angariar um sequio de seguidores que garantiu seu sucesso.
Outros espetáculos já haviam tentado uma segunda vida útil nos palcos paulistanos, sem, contudo, repetir o resultado comercial ou artístico de suas primeiras montagens, entre eles Meu Amigo, Charlie Brown, A Bela e a Fera e My Fair Lady, que em sua versão original conseguiu um casamento cênico perfeito entre Amanda Acosta e Daniel Boaventura, mas em sua remontagem deixou a desejar na escalação do casal central.
Por este caminho segue a remontagem de A Noviça Rebelde, clássica obra de Rodgers & Hammerstein que se tornou o musical favorito da Broadway, e ganhou sua primeira montagem em terras tupiniquins em meados de 2008 sob a direção de Charles Möeller e Cláudio Botelho – que ora voltam a assumir a montagem – e estrelada por Kiara Sasso, então o maior nome do gênero no Brasil.
Os diretores buscam retornar ao espetáculo com um novo olhar, mirando uma modernização de sua assinatura para um espetáculo que ficou na memória afetiva de um público que, pela passagem do tempo, é capaz de ter um olhar crítico e – invariavelmente – comparativo entre as duas produções.
E em grande parte, a dupla tem sucesso. Charles e Cláudio imprimem nesta montagem boa parte da magia daquela primeira num longínquo ano de 2008, onde o mercado era diferente e apenas o título de um musical era capaz de lotar grandes teatros.
Os tempos são outros. Um musical por si só já não é mais responsável pelos ingressos esgotados em sua temporada, para tanto foi preciso aderir a um antigo artifício que as produções do chamado teatro convencional já dominam com maestria: a escalação de nomes conhecidos do grande público.
Não é um artifício contemporâneo, tampouco exclusivo desta produção, mas em A Noviça Rebelde ele é utilizado sem medo de se assumir mercadológico. É o que explica, por exemplo, o convite a atores como Gabriel Braga Nunes e Marcelo Serrado – a despeito do último ter notável experiência recente no teatro musical.
Também é explicável o convite a Larissa Manoela para compor o elenco – numa decisão que pesa mais pelo crivo mercadológico do que efetivamente afetivo, visto que a jovem atriz compôs o elenco da montagem de 2008.
Entretanto, este detalhe resulta pequeno ante a importância de A Noviça Rebelde para a atual cena teatral paulistana. É verdade que a montagem perde consideravelmente sua imponência ao abdicar de um cenário físico e utilizar 90% de projeções, mas ainda assim, resulta bonito. Principalmente no que diz respeito a escalação de parte do elenco coadjuvante.
As freiras do convento cumprem bem o papel vocal, mas abrem espaço mesmo é para o trio (bem) formado por Marya Bravo, Raquel Antunes e Jana Amorim, que se revezam entre o protagonismo cômico, comprovando que Charles Möeller ainda sabe trabalhar bem com o dualismo da seriedade e do deboche.
Eleita protagonista desta nova montagem, a jovem Malu Rodrigues parece ainda não ter encontrado o tom da personagem. Experimentando registros, a atriz vai de uma espevitada noviça a uma mulher madura sem grandes nuances interpretativas. Malu ainda parece patinar na construção do papel, sem conseguir imprimir carisma e sofrendo, inevitavelmente, com a comparação com Sasso – atriz que, na época, já era mais tarimbada e experiente nos palcos – dado o (curtíssimo) espaço de tempo que separa as montagens.
Outro problema recorrente é a falta de química da atriz com seu parceiro de cena, Gabriel Braga Nunes, que rende pouco na pele do capitão Von Trapp. O ator tem um desempenho irregular na construção de seu capitão, faltando imprimir nuances diferentes em uma personagem que muda a cada cena. Mas o grande problema está mesmo no quesito vocal.
Apesar de afinado, Braga Nunes não imprime brilho às canções que lhe são confiadas, deixando bastante a desejar, inclusive na comparação com seu colega Marcelo Serrado, que surpreendentemente, consegue um desempenho vocal para além do esperado, tirando a má impressão deixada por sua última passagem no gênero, no espetáculo Memórias de um Gigolô.
Serrado, inclusive, faz ótima parceria com Alessandra Verney, que imprime classe e certa leveza à baronesa Elsa Von Schraeder, abusando de uma veia cômica sutil sem jamais pesar a mão. Em seu único dueto, Só Falta o Amor (How Can Love Survive), os atores esbanjam classe e química, dominando a cena e chegando a ofuscar o casal protagonista.
Outro destaque positivo, Gottsha encarna uma Madre Superiora menos monocórdia, ressisgnificando, inclusive, o clássico Sobre a Montanha (Climb Every Mountain), e dominando o dueto com Malu Rodrigues em Coisas que eu Amo (My Favorite Things), temas em que a veterana cantriz se comprova versátil e arremata um de seus melhores momentos vocais em um musical.
Grata surpresa é Larissa Manoela no papel da filha temporã Liesel. Embora tenha iniciado sua carreira nos palcos em musicais da dupla Möeller & Botelho, Manoela não pisava no tablado para encarar um musical desde sua participação em As Bruxas de Eastwick, em 2011. Sete anos depois, a jovem popstar assumiu um papel perante o showbizz que rendeu certa desconfiança após sua escalação.
Mas Manoela prova que ainda domina bem a arte do palco, e entrega uma interpretação consistente, sem abrir espaço para maneirismos. Sua interpretação do clássico tema adolescente Dezesseis Dezessete (Sixteen Going on Seventeen) soa bonita e terna, ainda que não consiga de seu colega de cena, Diego Montez, o mesmo desempenho.
Montez na pele do jovem carteiro Rolf não imprime a inocência apaixonada adolescente – transfigurado em insuspeita lealdade ao regime nazista que se instaura na Áustria que serve de cenário para a clássica história em cartaz no Teatro Renault. Resulta irregular.
Aliás, de forma geral, o elenco escolhido para este revival deixa a desejar em comparação ao escolhido originalmente, mas reflete o atual cenário do teatro musical brasileiro, com cantores e bailarinos exímios que não conseguem entregar uma atuação regular, apelando para um humor chapado e, muitas vezes, num pastelão com pouca graça.
Contudo, verdade seja dita, merece menção honrosa o jovem elenco que encarna os sete filhos da família Von Trapp (Larissa Manoela inclusa). A trupe é a grande responsável – junto ao elenco que compõe o convento – por manter boa parte da magia do musical viva.
A despeito de desempenhos menos inspirados e de seu cenário menos imponente, A Noviça Rebelde dribla irregularidades e mantém o magnetismo que faz ressoar os grandes espetáculos da dupla Möeller & Botelho, que produz, nesta remontagem, um espetáculo que se não guarda a mesma maestria cênica da versão original, ainda consegue fazer bater no peito dos fãs de teatro musical o prazer de ver uma história bem contada.
SERVIÇO
A Noviça Rebelde
Data: 28 de março a 27 de maio (quarta a domingo)
Local: Teatro Renault – São Paulo (SP)
Endereço: Av. Brigadeiro Luís Antônio, 411 – Bela Vista
Horário: 21h (quarta a sexta); 16h e 21h (sábado); 15h e 20h (domingo)
Preço do ingresso: R$ 75,00 a R$ 310,00