por Bruno Cavalcanti
Quando estreou, em 1958 no Teatro de Arena, o instantâneo clássico combativo Eles não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri, pôs em cena a realidade sócio-econômica de uma alta parcela de brasileiros, às voltas com uma brutal realidade de desigualdade social.
Usando como pano de fundo as greves das fábricas que causariam, ano após ano, uma série de recessões no período pós-milagre econômico de Juscelino, a obra era um retrato fiel da sociedade brasileira de baixa renda.
A força do espetáculo gerou um movimento de peças e espetáculos, entre eles o histórico show Opinião (1964), com Nara Leão (posteriormente substituída por Maria Bethânia), Zé Ketti e João do Vale; além de ter funcionado como mola propulsora para novos movimentos, como o Teatro do Oprimido, de Augusto Boal.
Quase dez anos após a estreia daquele primeiro espetáculo, surgiu uma das peças mais contundentes e francamente inspiradas na linguagem de Guarnieri: Quando as Máquinas Param (1967), de Plínio Marcos. A obra, uma atualização de sua outra peça Enquanto os Navios Atracam, exibe o que seria, guardadas as devidas proporções, o resultado da crise econômica pré e durante os primeiro anos da ditadura militar.
No espetáculo, o casal Zé e Nina se vê frente ao desemprego e a miséria. Mandado embora, Zé busca dia após dia uma colocação no mercado, enquanto a casa se mantém sustentada aos poucos pelos bicos de Nina como costureira.
Ainda que não tenha atingido a primazia de Eles não Usam Black-Tie, a obra de Plínio Marcos conseguiu se sobressair como uma expressão mais contundente acerca da vida paupérrima destas duas personagens, que são postos a frente de temas como a fé, o machismo, a alienação, a manipulação de mídia e a corrupção.
Em cartaz na Sala Atelier do Teatro Aliança Francesa, na região central da cidade, a versão estrelada por Cesar Baccan (também produtor) e Carol Cashie busca jogar com estes temas frente à realidade contemporânea. Resistente, a obra de Marcos sobrevive ao tempo, mostrando que o texto não só envelheceu bem, como continua contundente frente a uma sociedade que, à risca, pouco mudou.
O elenco entrega um ótimo trabalho, num jogo de cena afinado, valorizado pelo teor intimista do auditório. Na pele do orgulhoso Zé, Baccan cresce à medida que a peça avança. O ator até ameaça, de início, um registro irregular para a personagem que dificulta sua empatia com o público. Mas, no fim, constrói um Zé dúbio, que ao mesmo tempo em que cativa, também se mostra uma espécie de vilão longe de maniqueísmos.
Cashie, por sua vez, tem um desempenho irretocável do início ao fim do espetáculo como a esperançosa Nina. A atriz usa de gestos delicados para construir uma personagem baseada no olhar. Uma interpretação que também consegue crescer à medida que o jogo com Baccan acontece.
A dupla é o grande triunfo do espetáculo, driblando a parca possibilidade técnica da Sala Atelier (o que prejudica muito a luz pensada por Nelson Ferreira). Contudo, o espetáculo traz alguns problemas que independem do espaço, como o fraco cenário pensado por Marcela Donato (que também assina os figurinos pouco inventivos).
A direção de Augusto Zacchi (sob supervisão artística de Oswaldo Mendes, biógrafo de Plínio Marcos) faz muito pouco pelo espetáculo. O diretor não conseguiu extrair elementos que fizessem da montagem mais do que uma simples peça-estudo. Ao focar exclusivamente na interpretação do elenco e na força do texto, Zacchi acerta, mas deixa latente um olhar conservador, perceptível, principalmente, na cena final excessivamente amaciada.
A montagem anda em uma zona de conforto, e só resiste graças ao ótimo trabalho do elenco, que emboca com insuspeita naturalidade um texto que, ainda hoje, se comprova forte e robusto, pronto para receber uma encenação que o desafie e o coloque à beira do abismo.
COTAÇÃO: * * 1/2
SERVIÇO:
Quando as Máquinas Param
Data: 18 de janeiro a 24 de fevereiro (sexta a domingo)
Local: Teatro Aliança Francesa – Sala Atelier (São Paulo – SP)
Endereço: Rua General Jardim, 182 – Vila Buarque
Horário: 21h (sextas e sábados); 19h30 (domingos)
Preço do ingresso: R$ 15,00 (meia) a R$ 30,00 (inteira)