por Bruno Cavalcanti
Peça originada de uma série de pesquisas e trabalhos acerca da colocação de pessoas trans na sociedade cisnormativa, A Demência dos Touros, produzida pela Cia. Teatro do Perverto, é a estreia da atriz Inês Bushatsky como diretora após assinar a coreografia e a direção de movimento dos espetáculos Fortes Batidas e 11 Selvagens, destaques da cena teatral paulistana em 2016 e 2017, respectivamente.
A trama, assinada por João Mostazo sob o dramaturgismo de Dodi Leal, se passa em uma cidade distópica e murada, onde pessoas identificadas trans são classificadas pejorativamente como “mudadas”. A peça se desenvolve com cinco personagens e suas histórias paralelas que, à medida que o texto avança, se entrelaçam.
Uma mulher trans (Emília Prexeva) vive de um lado do muro e só o atravessa para trabalhar no consultório de um médico corrupto, que precisa lidar com o filho de uma paciente que questiona seus métodos e tem como ajudante um rapaz atormentado crente de que a cidade é controlada por uma máfia de fabricantes de ar-condicionado. Freak, pero que las hay… O enredo ainda conta com a história de amor de Emília e seu parceiro, embebido de um ciúme lupiciniano.
Entretanto, a despeito do argumento promissor, o texto não da conta de seu desenvolvimento. Ao longo de (excessivas) uma hora e meia, a trama parece girar no mesmo lugar, se desenvolvendo de forma fragmentada e dando a impressão de que o foco na linguagem experimental resultou basicamente preciosista. A começar pela construção das personagens, majoritariamente oscilantes.
A protagonista Emília e seu amante se destacam pela construção rica e bem delineada, com nuances que variam entre a comicidade e a tragédia, sem perder, contudo, certa ternura. Entretanto, outras, como o filho de uma das pacientes e o auxiliar atormentado soam frouxas e pouco desenvolvidas. Mérito também, em ambos os casos, do elenco (também oscilante).
Felipe Lemos e Rafael de Sousa constroem com imediata empatia do público o casal protagonista, enquanto Felipe Carvalho, Pedro Massuela e Jorge Neto buscam imprimir verdade a suas personagens, sem de fato convencer. O trio utiliza de linguagens extremas – voltadas tanto para o expansivo quanto para o minimalismo – que beiram ao caricato, comprometendo também o resultado final.
E mora aí um dos prontos destoantes da direção de Inês Bushatsky. Na busca por uma assinatura própria, a profissional parece beber da fonte de suas produções anteriores (as supracitadas Fortes Batidas e 11 Selvagens, dirigidas por Pedro Granato) sem jamais fugir da linguagem estipulada nestes dois espetáculos, tampouco atingir seu teor denso e febril. Bushatsky fica no meio termo entre o frenesi de uma linguagem pop e uma letargia experimental, inclusive na condução de seus atores.
Contudo, justiça seja feita, é louvável o risco ao qual a peça se presta a todo o momento, caminhando na corda bamba e buscando discutir temas pouco comuns sem abrir concessões ao público. Faltam ajustes para que se afine melhor a linguagem e que se valorize o encontro do argumento de Mostazo e da direção de Bushatsky sem a necessidade de soar incessantemente pop e contemporânea (nem sempre o melhor caminho).
SERVIÇO:
A Demência dos Touros
Data: 07 de junho a 06 de julho (quartas e quintas)
Local: Teatro Pequeno Ato – São Paulo (SP)
Endereço: Rua Dr. Teodoro Baima, Vila Buarque
Horário: 21h
Preço do ingresso: R$ 20,00 (meia) a R$ 40,00 (inteira) – Ingressos Esgotados