por Daniele Barbosa
Hoje foi um dia que eu tive sem pacientes ou aulas pela manhã. Minha filha então na escola, teria a manhã para limpar meu espaço de trabalho. Acordei com as penas doendo, tipo depois do primeiro dia de musculação, porque passei uma parte do domingo tirando mato que cresce entre os pisos sem rejunte do quintal. Tudo bem. Levantei às 4h de um pesadelo onde jogava uma bolsa de compras cheia de frutas e legumes orgânicos na cara do meu marido porque ele dizia, no pesadelo, que estava me largando pra ficar com outra mulher.
Às 6h, minha filha de 3 anos já pulava na cama cantando parabéns pra ela, pro pai, para mim, como lhe é de costume. Antes das 7h a mochila dela já estava arrumada, a roupa já decidida. Antes observava o pai com toda calma e tranquilidade a acompanhando na ida matinal ao banheiro. Divisões de tarefas iguais, se não fosse o que eu vou te contar a seguir.
No meio do caminho pra escola, lembrei que o galho que tinha quebrado pro meu marido com um trabalho no Photoshop estava errado. Sei lá porque só me dei conta naquela hora. Volta pra casa, o negócio tinha prazo e era naquela manhã. Beleza. Fiquei furiosa no carro, porque ia atrasar a faxina no meu espaço. No dia seguinte, agenda lotada.
Voltamos, reparei o erro. De volta ao caminho da escola, trânsito infernal. Meu marido me deixou no caminho pro meu espaço. Eu com um bolsa pesando 1 tonelada nos ombros. Tinha que ser assim, Maria Flor já estava atrasada para escola por causa do meu vacilo com o lance do Photoshop. Cheguei enfim no consultório. Advinha: perdi a chave. Pedi pro porteiro do prédio ter piedade e guardar aquela bolsa, porque ia fazer hora na rua até buscar minha filha na escola e depois procuraria a chave em casa. O Paulo procurou no carro, eu procurei em todas as bolsas que estavam comigo e nada. Bom, se não tem remédio, remediado está. Então estava tendo um tempo livre. Oba!
Claro, incumbida da minha função sufocante mulher-moderna-mãe-
Ali falamos sobre filho, casamento, o eterno dilema entre exercer a função única de mãe, ou se dividir entre o trabalho e a maternidade. Sempre que encontro essa amiga o papo é muito sincero. Eu sinto profundo amor por estar com minha filha, gostaria até de fazer educação domiciliar com ela, sou apaixonada pela pedagogia Waldorf. Reclamei que amo o trabalho, mas o preço é caro. Vivo cansada, nunca tenho tempo livre. Tem sempre uma bolsa pesando tonelada pra carregar e uma mente cheia de afazeres por fazer.
Peguei Flor na escola, cheguei em casa. A cria já almoçada, queria pintar. Deixei pintando eu fui fazer o que seria meu almoço e o jantar da família. Em alguns minutos a cria estava berrando porque respingou tinta no olho, as mãos estavam tomadas de tinta. Dei um banho na bica do quintal mesmo. Terminei de preparar a refeição e parecia ter corrido uma maratona dando conta de comida e criança.
Acabei, respirei. Chamei o Uber e fui com Flor decidida a achar um chaveiro para abrir as portas do consultório e fazer novas chaves. No Uber, o motorista com um papo muito estranho me deixou com muito medo de acontecer algo comigo e minha filha pelo simples fato de sermos mulheres. Cheguei a arquitetar como iria me jogar do carro em movimento com minha filha no colo sem matar nós duas. Cheguei no destino. Vivas, eu e ela. Ali toda a minha resistência para qualquer adversidade já teria acabado. Gastei muita energia com o medo dentro do carro.
Graças a Deusa, o porteiro me recebeu com a minha chave. É que eu esqueci na porta do próprio consultório no sábado passado, quando fui lá pegar o material do curso de shantala que dei na clínica de uma querida amiga mulher, mãe, moderna.
Resolvi que ia faxinar com Flor ali mesmo. Foi rapidinho. Tempo suficiente para quando já estava tudo limpo, ela jogar todo o saco de pipoca no chão que eu acabara de limpar. Cara. Fiquei furiosa. Falei bem ríspida com ela. Sem agressão física, nunca bato. Depois ela se recusou a sentar no carrinho. Chovendo, resolveu sair andando acoplada ao cinto do carrinho no meio da rua. Eu tentando manter a calma. Chegou no taxi, precisei mantê-la viva. Ela estava exausta, tadinha. Eu também, tadinhas.
Cheguei em casa, a solução foi televisão mesmo, logo eu, que amo Waldorf. São Rudolf Steiner há de me perdoar. Depois mais algumas atividades sem me exigir muito. Então coloquei ela para dormir, ninando e amamentando, porque tem sido uma fase difícil para ela na hora do sono. Sinto que preciso me dedicar mais durante o dia a ela para dar vazão a tanta energia dessa arianinha ávida por novidade e movimento.
Esse foi o meu dia livre. Acreditem, eu não trabalhei.
Às vezes eu me cobro muito por mais paciência, mais disposição, mais disciplina para o exercício. Mas eu fiz esse texto foi para mim mesma, para eu ler e ver que é puxado mesmo. É muito difícil ser essa mulher-transição, que cria com apego, mas trabalha, preocupada com alimentação, com saúde. Sacrifico, por exemplo, não só minha resistência às birras, como também meu lado criativo. Não dá tempo, não sobra prana, energia vital.
Eu sei que muitas que estão lendo se sentem assim também. Vamos juntas mudar isso?