Bela Antonia está banguela: perdeu seu primeiro dentinho. Isso provocou em
mim uma torrente de pensamentos. Às vezes, fico cansada de tanto pensar. Acho
que na próxima encarnação, quero voltar burra, lesa, tábula rasa. Pensar
cansa. Mas se eu voltar burra e lesa, não vou poder tocar o meu segundo
desejo na nova encarnação: ser dona de estacionamento. Nunca vi maneira mais
mole de faturar muito. Neguinho se apropria do espaço público e manda ver. Na
maioria das vezes, é assim, né não? Estão aí os flanelinhas da vida que não
me deixam mentir. E, quando constroem o estacionamento, cruzes!, é aquela
roubalheira!
Mas não era sobre isso que queria falar. Parece que um espírito desce em mim
e eu saio a desviar do assunto.
Voltando: Bela Antonia está banguela. E a vovó viajou na maionese.
É natural uma criança de seis anos perder seus dentinhos de leite. Mas isso,
no preocupado e amoroso coração da vovó, é o tempo correndo, inexorável. É
mais uma etapa cumprida dessa vidinha que mal começou; é mais um passo que
levará a mais um ano de vida, depois outro, depois outro, e, daqui a pouco,
minha pequena vai ficar mocinha, vai ter que dar seus primeiros passos de
independência, porque assim é a vida, assim caminha a humanidade, como aquele
velho filme de Hollywood.
Que mundo será este da adolescência de Bela Antonia? Gostaria de imaginar que
será um mundo cor-de-rosa, encantado como os reinos das princesas que ela
tanto ama, doce como os sorvetes que ela adora, mas, infelizmente, sei que
não será assim. Peço a Deus que ela seja preservada sempre, amparada amorosa
e competentemente como é hoje por seus pais sempre tão atentos, que receba
da vida tudo o que de melhor houver. Sou sempre uma otimista, mas temo pelo
futuro da minha neta, quando vejo tanta barbaridade por aí. Pedófilos
nojentos ( nada pode ser mais nojento e desprezível do que um pedófilo seja
lá qual for o credo que abrace), tarados de todos os calibres, falta de
caráter nacionalizada, falta de compostura institucionalizada, meninas e
meninos que só pensam em torrar dinheiro nos últimos hits do consumismo, que
sabem tudo de smartphones, BBMs, altos hi-techs, mas que pouco param pra
pensar, que acham a leitura de um bom livro “coisa de velho”, enfim, o que
vejo em torno de mim me desanima e me angustia. Como sempre faço, porque
verdadeiramente creio, entrego nas amorosas mãos de Deus e de Nossa Senhora.
E sei que vai ter muita gente rindo de mim. Pouco importa. Se não fosse a
minha fé, não sei onde andaria hoje. Sinceramente.
***
Enquanto os demais dentinhos de Bela Antonia não caem, sonho. Sonho que ela
ainda tem alguns aninhos antes da chatíssima adolescência, quando nem eu e
este amor desmesurado vamos agüentar as impertinências e as malcriações.
Fazem parte. Eu fui assim, o pai dela foi assim, a mãe também. Minha mãe
também deve ter enchido a paciência da minha avó e está da mãe dela e é assim
que se passa a adolescência de toda a gente. Sonho que, chegada lá, ainda
assim, ela vai querer dançar a valsa dos 15 anos com o gatinho da hora – se
não for valsa, coisa antiga!, vale um hip hop. Só peço que, até lá, a tal da
Rebolation já tenha caído em desuso. Coisa de quinta, né não?
É claro que ela será sempre uma ótima aluna: se está tendo festa, é porque
anda fazendo por merecer. Também é claro que lerá livros fundamentais para a
formação de pessoas cultas, interessantes, inteligentes. Porque fala muito
bem francês e inglês, já terá voltado a Paris e conhecido Nova York – viajar
hoje é tão mais barato! Que faculdade ela fará? Que direção tomará essa
cabecinha que, hoje, já é tão bem informada? Será veterinária como a mãe?
Chef como o pai? Jornalista como a vovó? Ou será astrônoma?
Fico aqui observando o mundo, as mudanças à minha volta, e continuo pedindo
para minha neta uma trajetória à moda antiga: que, depois de tudo isso, de
bastante curtir sua juventude e todas as oportunidades que a vida vier a lhe
oferecer, ela encontre um bom rapaz e se case vestida de noiva, na igreja,
com muita música e muita festa. Pode parecer caretice neste mundo tão cheio
de novidades e, sobretudo, de desencontros, mas é o que espero pra ela. È o
que peço para ela.
E, se não for pedir demais ao Criador, que a vovó possa estar lá, no altar,
com tudo – mais ou menos – em cima. Afinal, sonhar não custa nada e a fé,
como canta o Gil, “não costuma falhar”.
Não costuma mesmo.
Rio, 27 de Maio 2010