por Reinaldo Paes Barreto
São gêmeos?
São sim senhores.
E por que são padroeiros e protetores das crianças?
Porque foram médicos (símbolo de Asclépio, deus grego da medicina e símbolo de Hermes, chamado caduceu)
E cuidaram de crianças. O que era uma exceção, porque durante muitos séculos (inclusive da nossa era) não havia a especialidade Pediatria. Essa era uma opção pessoal dos médicos.
Por outro lado, até o século 18, exercia-se a Medicina de forma individual. O Estado não estava presente na oferta desses serviços à população. Foi com a Revolução Francesa, no final do século 18 — et pour cause — que se deu a primeira transformação importante nas características do trabalho do médico: o Estado passou a tentar oferecer o serviço a toda população.
Adiante: Cosme e Damião estudaram medicina na Síria (provavelmente no ano 300 DC) e foram praticá-la em Egéia , na Ásia Menor, (hoje Turquia) sem receber qualquer pagamento. E curavam não só os humanos, mas também os animais.
Donde a sua identificação com as crianças que também são prestativas e solidárias — sem pagamento (?!?!!)
Por isso, no seu dia, 27 de setembro, as pessoas sensíveis ao sentimento de solidariedade e partilha, distribuem pães, doces e balas, nas igrejas e nas ruas.
É a festa para “os santos meninos”.
Mas essa festa, às vêzes, não fica só nas ruas. Muitas famílias — sobretudo no Nordeste — aproveitam para fazer um grande almoço ou jantar, servindo a comida especial para a data: o caruru dos meninos. (Receita no fim deste blog)
Nessa manhã, a família, os amigos e parentes, assistem uma missa para os “meninos”, contratada de antemão numa igreja conhecida. Durante a cerimônia, uma criança — em geral do sexo feminino — leva a imagem particular da família e a deposita no altar, para receber a bênção do padre. Esta missa deve ser mandada celebrar todos os anos, sob pena de “atrasar” o devoto.
Enquanto issso em casa, desde a véspera, os fogões disponíveis estão ocupados no cozimento dos petiscos que constituem “esse caruru dos meninos” — caruru, feijão fradinho, abará, acarajé, galinha de xinxim, acaçá, banana da terra em azeite de dendê, milho branco, inhame, farofa de azeite de dendê com camarão e pipocas. De faca em punho, mulheres cortam roletes de cana e pedaços de coco. Outras fazem aluá, uma garapa de cascas de abacaxi e rapadura.
(É uma bebida tradicional do nordeste/norte do Brasil, é feita de abacaxi ou de milho. Segundo o folclorista Luís da Câmara Cascudo, esse nome pode ser uma corruptela de “ao luar”, porque os escravos preparavam esse refresco à noite).
Além disso, ELES são padroeiros dos farmacêuticos, médicos e cabeleireiros (?) Ou seja: São Cosme e Damião protegem (não só) as crianças, orfanatos e creches, mas também as doceiras e os “filhos em casa” contra doenças como hérnia e a peste. Tanto que os emblemas dos santos são uma caixa com ungüentos, frasco de remédios e folha de palmeira.
E, obviamente, são reverenciados também no sincretismo religioso, como nessa bonita toada em que Maria Betânia saúda os santos-meninos.
Finalmente: eles também são casamenteiros e fazem milagres para localizar objetos perdidos (mas, com todo o respeito, sou mais Santo Antonio!)
O Caruru baiano:
1kg quiabo
1 xícara de castanha de caju
100 g de amendoim torrado e moído sem casca
2 xícaras de camarões defumados, descascados e moídos
2 cebolas grandes
2 xícaras de azeite de dendê
3 limões
2 colheres de sopa de sal
4 xícaras de água quente
pimenta
gengibre
alho
Modo de fazer:
Lava-se os quiabos, enxugando bem para não formar baba quando parti-los.
Segundo a tradição, os quiabos devem ser cortados em cruz, no sentido longitudinal, e depois em rodelinhas bem finas.
Coloque os camarões secos e moídos, cebola ralada, alho, sal, castanha e amendoim para refogar no azeite de dendê.
Ponha os quiabos partidos, as xícaras de água e as colheres de sopa de limão para cortar a baba.
Adicione ainda alguns camarões secos inteiros e grandes.
Cozinhe tudo até ficar pastoso. Quando os caroços dos quiabos estiverem bem rosados, retire do fogo.
Na festa de São Cosme e São Damião, quando o caruru é de promessa, costuma-se colocar sete quiabos inteiros. O convidado que tiver no seu prato, ao acaso, um desses quiabos, fica na obrigação de oferecer ao santo outro caruru.
E viva Coame e Damião, porque — como dizia Borges — somos todos “niños viejos, viejos niños!”
E que todas as crianças desse planeta, mesmo as mais desvalidas, sejam vertiginosamente felizes — pelo menos nesse (27) dia!
Oxalá!
Reinaldo Paes Barreto
Diretor da Câmara Portuguesa do RJ