por Bruno Cavalcanti
Em 1933 foi publicada a primeira edição de A Autobiografia de Alice B. Toklas, livro assinado pela escritora e ensaísta americana Gertrude Stein. Diferente do que se pode pensar, a publicação não é mais um famoso romance da autora de The World is Round, mas sim a biografia de sua parceira, a também escritora Alice B. Toklas.
A despeito da importância que teve na vida de Stein, Toklas entrou para a história literária como a autora de apenas um livro de culinária (The Alice B. Toklas Cookbook). Mas sua figura foi de máxima importância para a obra de sua parceira, e é buscando essa importância – perdida na história – que Nicole Cordery ocupa o Espaço Viga Cênico com Alice – Retrato de Mulher que Cozinha ao Fundo, monólogo que estreou em 2016 e segue em cartaz ao longo de 2017.
A despeito de sua intenção histórica, o monólogo não tem uma linguagem regular. Não há no texto de Marina Corazza nenhum recorte linear, tampouco a direção de Malú Bazán apela para signos concessivos a fim de situar o público na vida desta californiana que se via como a “mulher de uma gênia”. Tanto para a atriz, quanto pra a plateia, Alice é um desafio.
Contudo, se o monólogo ameaça cair em uma linguagem ininteligível de início, à medida que se desenvolve, prova-se uma história bem contada e de fácil empatia. Não é difícil se sentir tocado pela personagem histórica. Muito disso se deve ao brilhantismo com o qual Nicole Cordery defende seu papel.
Plena e dona da cena, Cordery parece atuar à beira de um abismo, que poderia levá-la a um registro histriônico e maniqueísta, colocando sua personagem em um papel de submissão e vitimismo. Contudo, a (safa) atriz entrega uma Alice dúbia, que está sim no papel submisso, mas que não está de todo satisfeita com aquilo que desempenha.
De certa forma, sua personagem – a despeito de sua existência – soa transgressora se pensar que vivia numa espécie de crepúsculo de sua existência, impedida de brilhar como muitas de suas contemporâneas nos primórdios do século XX. Porém, dessa vez, não graças ao machismo desmedido de um homem (ao menos não diretamente), mas sim à força do nome de sua companheira. É uma transgressão corajosa.
A inteligente encenação de Bazán concentra todas as atenções na Alice de Cordery, que em não disputa as atenções com o cenário (simples, porém servil) nem com a (delicada) trilha.
Tudo está em Nicole Cordery, que, com impressionante domínio de cena, valoriza uma hora e meia deste monólogo que, sim, poderia soar datado e até incompreensível (como é moda no teatro contemporâneo, que mira no experimental, mas acerta no preciosismo vazio), mas triunfa no final.
Mais do que uma peça, Alice – Retrato de Mulher que Cozinha ao Fundo é um solo apaixonado pelo teatro novo e pelo público que não é subestimado, mas também não se depara com o ininteligível. Há ali um respeito mútuo que valida não apenas a encenação, mas também o trabalho hercúleo de transgredir com uma personagem que já não é simples. É coragem e, sim, paixão.
SERVIÇO:
Alice – Retrato de Mulher que Cozinha ao Fundo
Data: 04 a 26 de abril (terças e quartas)
Horário: 21h
Local: Espaço Viga Cênico – São Paulo (SP)
Endereço: Rua Capote Valente, 1323 – Pinheiros
Preço do ingresso: R$ 40,00