por Bruno Cavalcanti
Morto na tarde de ontem, 23, em sua casa no Rio de Janeiro, o ator, diretor e dramaturgo Domingos Oliveira vem ganhando na imprensa nacional merecidas homenagens em obituários que o valorizam como o cineasta de olhar único e transformador, que ajudou o cinema a se descobrir, a época do Cinema Novo, mais do que um veículo de protesto, um meio de análise de figuras humanas.
Considerado, já no final dos anos 90, uma espécie de Woody Allen tupiniquim, Domingos construiu uma obra focada em personagens profundos com problemas, principalmente, amorosos, promovendo uma análise acerca do modelo de relacionamento e como isso refletia naqueles que se envolviam entre si. Tudo isso em cenários intimistas e planos que valorizavam o lado cômico de obras que acabaram taxadas de comédias românticas.
Em seu acervo estão filmes que vão de clássicos instantâneos, como “Todas as Mulheres do Mundo”, a obras de reconhecimento tardio, como “Edu, Coração de Ouro”, ou mesmo aquelas que não aconteceram, entre elas Carreiras (2006), Primeiro Dia de um Ano Qualquer (2012) e Infância (2014).
Entretanto, o que pouco se fala em todas as homenagens prestadas, é que Domingos era, antes de qualquer coisa, um homem de teatro. Muito embora se considerasse – e se apresentasse – como cineasta, o autor de peças como Largando o Escritório (2006) – com a qual recebeu o Prêmio Shell de Melhor Texto –, Rita Formiga (1986) e Do Fundo do Lago Escuro (montado originalmente em 1980 com o título de Assunto de Família) viu no palco a forma mais perene de manter sua obra viva.
Foi da cena que saíram os roteiros para a maioria de seus filmes – mesmo do estreante Todas as Mulheres do Mundo, que rendeu a uma então pouco conhecida Leila Diniz a alcunha de “estrela”. Domingos era tão ligado a sua obra que permitia poucas adaptações dos textos que escrevia, e quando permitia, não costumava aprovar.
Foi o caso da famosa montagem do grupo Tapa em 1997 para o supracitado Do Fundo do Lago Escuro, a peça autobiográfica que o autor colocava em cenas os devaneios de sua infância. Na montagem do grupo carioca (radicado em São Paulo), Beatriz Segall assumia o papel de Dona Mocinha, avó de Domingos e personagem que já se tornou um clássico da dramaturgia nacional.
Insatisfeito com a direção de Tolentino, o autor esperou 13 anos para recolocar em cena a história da forma que gostaria que fosse contada. Na montagem, que estreou em 2010 no Rio de Janeiro, o próprio diretor subiu a cena para dar vida a Dona Mocinha, papel que, quatro anos depois, coube a Fernanda Montenegro defender no longa Infância, recebido com certa frieza pelo público e pela crítica.
Por esse caráter preciosista – e talvez também por um problema geográfico, visto que suas produções eram majoritariamente postas em cena apenas no Rio de Janeiro – a dramaturgia de Domingos parece ter alcançado um lugar de destaque aquém do que realmente merece.
O dramaturgo encontrou em temas como “relacionamentos” e “dramas familiares” uma vertente de leveza que o coloca, guardadas as devidas proporções, na mesma categoria de autores como Edward Albee, Terrence McNally, Arthur Miller e Eugene O’Neill, mas com um toque genuinamente sacana carioca, que o irmana a seus colegas de geração, como Hugo Carvana e Arnaldo Jabor.
Domingos unia todas as referências e deixou uma linguagem que pouco se vê no teatro contemporâneo. Sua despretensão deu conta de dois dos maiores sucessos dos palcos nacionais, Confissões de Adolescente, de sua filha Maria Mariana, que revelou nomes como Ingrid Guimarães, Maria Ribeiro, Pitty Webo, Dani Valente e, na TV, Débora Secco, entre outras; e o monólogo A Casa dos Budas Ditosos, baseado na obra homônima de João Ubaldo Ribeiro que deu a Fernanda Torres um de seus mais importantes (e duradouros) momentos no palco.
Também não se fez de rogado ao direcionar seu olhar para problemas geracionais, fosse do público masculino (Todo Mundo tem Problemas Sexuais, Todas as Mulheres do Mundo, Das Dificuldades de ser Homem), e mesmo do feminino (Confissões das Mulheres de 30, Confissões das Mulheres de 40 e, ainda inédito no Canal Brasil, Confissões das Mulheres de 50).
Domingos Oliveira sai de cena deixando uma obra atemporal, olhando para o passado sempre com uma visão de delicado saudosismo, mas sem deixar de observar as mudanças do presente com colocações críticas e pouco usuais. Se houver justiça, o tempo ainda lhe fará jus frente ao que construiu e fez, talvez sem perceber, parte da influência comportamental da cultura popular brasileira.