por Bruno Cavalcanti
Desde o início de suas atividades, esta santa coluna se propôs a conferir o cenário teatral da noite paulistana. Neste ano de 2018, considerado injustamente irregular por uma série de críticos, conferimos grande parte dos espetáculos em cartaz nos circuitos mainstream e independente.
Levando em consideração o altíssimo número de espetáculos que estrearam na terra da garoa durante o ano, é bastante compreensível que este colunista não tenha conseguido conferir todas as produções que estiveram e permanecem em cartaz na cidade.
Portanto, esta é uma lista que diz respeito basicamente ao que consegui conferir no período de 10 de janeiro a 16 de dezembro de 2018, tendo sempre como ponto de partida os espetáculos aos quais fui convidado a conferir.
Confira abaixo a lista (em ordem decrescente) de 10 espetáculos que se destacaram durante o ano pela visão da Conexão Sampa:
10- O que Restou de Você em Mim (direção: Alejandra Sampaio e Virgínia Buckowski)
Em seu primeiro texto teatral, Davi Novaes puxa, sozinho em cena, a caravana do teatro contemporâneo que dialoga com o público jovem. Tanto no texto quanto na interpretação, Novaes foge de regras pré-estabelecidas pelo teatro clássico e pelo teatro modero e adiciona signos e cacoetes identificáveis com o público jovem que nunca se contentou, de fato, com o teatro regrado da capital paulistana. Ainda que dialogue delicadamente com o trabalho de diretores como Raphael Gomes e Pedro Granato, o ator encontrou uma forma de falar de amor na linguagem de seu público. Mérito também da direção segura dividida entre Alejandra Sampaio e Virginia Buckowski.
09- Depois Daquela Noite (direção: Eduardo Martini)
Drama dos mais clássicos, Depois Daquela Noite cresceu no palco por fazer de um simples feijão com arroz, uma refeição surpreendente. Sob a direção por vezes conservadora de Eduardo Martini, a peça cresceu no encontro do delicado texto de Carlos Fernando Barros com um desempenho cênico surpreendente do próprio Martini (que consegue no drama a mesma catarse que conquistou em suas comédias), Carol Hubner (que já havia se comprovado uma boa atriz dramática em Enquanto as Crianças Dormem e Diga que Você já me Esqueceu), e Renato Scarpin, que foi o destaque da montagem com uma construção dramática que comprovou a versatilidade desse ator que, assim como Martini, tem uma carreira construída em cima de uma catarse cômica, que se repetiu muito bem no drama. Sob a produção de Theo Hoffman, que também estava em cena, a peça mereceria uma nova temporada.
08- A Porta da Frente (direção: Marcelo Varzea)
O teatro moderno de nomes como Edward Albee e Terrence McNally se tornou clássico por abordar temas tão servis quanto batidos em cena – as relações familiares, a natureza humana etc. Neste sentido, A Porta da Frente, um dos melhores textos da dramaturga brasiliense Julia Spadaccini, é, sem dúvida, um passo a frente. A autora usa dessa estrutura clássica para falar de temas contemporâneos, como a homofobia, a transfobia e a ignorância acerca de temas que passam ao largo da dramaturgia nacional – principalmente em montagens que compõem o mainstream –, como o crossdresses, entre outros. Sob a direção refinada de Marcelo Varzea, a produção trouxe para cena um elenco uniforme e de alto nível, encabeçado por Roney Facchini, Fabiano Medeiros (em um de seus melhores desempenhos em cena) e Sandra Pêra, que apresentou seu melhor trabalho até então neste espetáculo que contava ainda com Greta Antoine, Bruno Sigrist e Miriam Mehler em iluminada participação especial.
07- Bibi – Uma Vida em Musical (direção: Tadeu Aguiar)
Atriz que lutou com unhas e dentes para criar o mercado do teatro musical no Brasil, Bibi Ferreira teve sua trajetória de sucesso contada em cena neste que se destaca como um dos melhores trabalhos do diretor Tadeu Aguiar e do jornalista e dramaturgo Arthur Xexéo. No papel-título, Amanda Acosta se confirmou uma das melhores atrizes de sua geração ao construir uma Bibi Ferreira que, embora mimetizasse os gestos e as inflexões da voz, não resultou como um cover, mas como a visão da atriz acerca da personagem. A obra como um todo, um retrato delicado da personagem, serviu não apenas para homenageá-la, mas também para mostrar uma nova forma de se fazer teatro musical flertando com linguagens como o circo e o teatro mambembe. Infelizmente, uma temporada curtíssima de um musical que mereceria viajar o Brasil.
06- Teatro para quem não Gosta (direção: Ricardo Rathsam, Marcelo Medici e Kleber Montanheiro)
Peça anárquica de temática simples, porém ambiciosa, Teatro para quem não Gosta traz como pano de fundo a história do teatro recontada sob a ótica irreverente de Marcelo Medici e Ricardo Rathsam, dupla de atores, diretores e autores que criaram uma linguagem própria dentro do cenário cômico paulistano. A dupla é responsável pelo blockbuster Cada um com Seus Pobrema, e utiliza dessa linguagem despretensiosa para não apenas fazer uma homenagem ao teatro como também para criticá-lo através da arma mais antiga da história do tablado: o riso. Vale ressaltar também que o espetáculo traz de volta a cena Ricardo Rathsam, figura tão bissexta quanto talentosa que deveria estar mais presente em cena.
05- Michel III – Uma Farsa a Brasileira (direção: Marcelo Varzea)
Um dos melhores textos montados neste ano, a obra de Fábio Brandi Torres é uma crítica inteligente, sardônica e mordaz ao governo Michel Temer e ao processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. A montagem, dirigida por Marcelo Varzea, opta por utilizar da farsa ao criticar o cenário político brasileiro retratando o universo de William Shakespeare, mas bebendo também da linguagem de Gil Vicente, e contando com um elenco uniforme, capitaneado por um inspirado Marcelo Diaz e destacando também Fabiano Medeiros e (uma hilária) Martha Meola. Completam o elenco: Amazyles de Almeida, Lena Roque e Michel Waisman.
04- Love Love Love (Direção: Eric Lenate)
Companhia formada por Débora Fallabela, Yara de Novaes e Gabriel Fontes Paiva, o Grupo 3 de Teatro excursionou pela obra do dramaturgo inglês Mike Barlett em duas oportunidades. A primeira com Contrações, obra menor do autor que trouxe em cena embate entre Novaes e Falaballa que interpretavam uma gerente e uma funcionária que viviam uma relação abusiva de trabalho. Na segunda incursão, a companhia conseguiu um dos melhores desempenhos do teatro paulistano. Em Love, Love, Love, o Grupo 3 encenou um espetáculo de três atos sobre a relação de uma família que começava em 1967 e era representada em três momentos. As relações de mãe e filha e os problemas geracionais a partir dos anos 80 receberam uma lupa nesta montagem que contou com ótimas interpretações de Yara e Débora, além de um excelente direção assinada por Eric Lenate. Completam o elenco: Augusto Madeira, Alexandre Cioletti e Mateus Monteiro.
03- Agosto (direção: André Paes Leme)
Peça que rendeu a seu autor, Tracy Letts, um Prêmio Pulitzer, Agosto chegou ao Brasil em uma montagem muito menos sinuosa do que a que marcou a Broadway em 2001. Abrindo mão de cenários gigantescos, a peça contou apenas com algumas cadeiras e a direção detalhista de André Paes Leme. Contando a típica história de uma família disfuncional, a peça trouxe aos palcos o melhor desempenho de Guida Vianna, atriz que ao longo dos anos não teve o talento dimensionado como deveria. Após vencer dois prêmios – APTR e Cesgranrio –, Vianna teve nesta peça não apenas sua consagração, mas também a chance de mostrar que é possível construir uma personagem de tons tão trágicos e pesados quanto Violet com tons cômicos e empáticos. No elenco, destaque também para Letícia Isnard e Lorena Comparato. Completam o elenco: Alexandre Dantas, Cláudia Ventura, Rubens Camelo, Eliane Costa, Guilherme Siman, Isaac Bernat, Júlia Schaeffer e Mariana Mac Niven.
02- Elza (Direção: Duda Maia)
Personagem de história por si só teatral, Elza Soares é representada pela diretora Duda Maia como uma personagem transcendental. Com sete atrizes no papel-título, o musical reverberou as palavras de ordem dessa cantora de voz rasgada que sempre lutou contra o racismo, o machismo e a homofobia. Representou também, com tintas devidamente fortes, o relacionamento conturbado da cantora com o ex-jogador Mané Garrincha e retratou o teor de renascimento dessa fênix da música brasileira que sempre se viu obrigada a começar de novo – e sempre começou. Com destaque para a interpretação mimética de Larissa Luz, o musical contou ainda com uma das melhores dramaturgias para musical, assinada por Vinícius Calderoni – em parceria com o elenco e a direção. A direção musical, assinada também por Larissa Luz, ao lado de Antônia Adnet e Pedro Luiz, construiu arranjos que reverberam a voz tamanha dessa cantora que sempre lutou pela representatividade feminina – daí elenco e banda serem formados apenas por mulheres. Completam o time, as atrizes Janamô, Júlia Dias, Késia Estácio, Laís Lacôrte, Verônica Bonfim e Bia Ferreira que alterna o papel com Larissa Luz.
01- O Jornal The Rolling Stone – (Direção: Lázaro Ramos e Kiko Mascarenhas)
Peça de linguagem e teor contemporâneo que, por seu universo, resvala no clássico, O Jornal The Rolling Stone é um espetáculo de tensões que se passa no país africano Unganda e retrata a forte homofobia patrocinada pelo governo ditatorial e pelos costumes religiosos que assassinou e perseguiu homossexuais. Sob direção sensível de Lázaro Ramos e Kiko Mascarenhas, a peça trouxe um elenco de altíssimo quilate que deu destaque para Heloísa Jorge, que construiu uma matriarca que dialoga com rara fluidez com personagens clássicas do teatro de Tennessee Williams e Eugene O’Neil. Outro ponto importante da montagem é a excelente iluminação de Paulo César Medeiros, que fez um dos melhores desenhos de luz do ano. No elenco uniforme, destacaram-se ainda Danilo Ferreira, Marcos Guian, Marcella Gobatti (que, sem falas, se destacou com um trabalho de corpo acima da média), Indira Nascimento e André Luiz Miranda.