por Reinaldo Paes Barreto
Em São Francisco, nos Estados Unidos, foi inaugurado há dois anos o Cafe X, em que a bebida é servida por um robô, sem intervenção humana. Pedir o café é muito simples: você pode usar o touchscreen disponível no local ou então um aplicativo no seu celular. Em apenas 20 segundos a bebida chega quentinha – pode ser um café puro ou um cappuccino. Foto de Monalisa Briganti, do site Mexido de Idéias.
E aí a pergunta: se serve café, por que não vinho?
Bom, que me conste, não existe ainda o sommelier-robô circulando pelo salão de um restaurante, dando aulas na ABS, ou participando de uma live no Youtube. Mas já existem chatbots (abreviação de robô dos chats), ou seja, um software que gerencia troca de mensagens para atender clientes, sobre vinhos. A “Concha y Toro”, por exemplo, da vinícola chilena do mesmo nome, lançou uma plataforma batizada de “Renato” (foto abaixo!), que funciona como um consultor virtual. Utiliza uma linguagem simples e descomplicada para abordar o universo dos vinhos e sugerir harmonizações. A ideia é de que o consumidor possa interagir como se estivesse conversando com um amigo: fazendo perguntas e recebendo respostas diretas e objetivas. E a chegada da tecnologia do 5G (Gbps gigabits por segundo) vai facilitar exponencialmente essas mediações.
Mas … cada inovação traz consigo o respectivo problema (ou novos!), porque na outra ponta do acesso imediato à informações sobre qualquer assunto, via Google ou similares, está nascendo (ou já vai bem grandinho) um novo tipo de “consumidor de conhecimento técnico” que (acha) que torna desnecessária a interlocução humana com o profissional da área.
No caso do vinho, então, se o enochato (*) já vem de antes da internet, imaginem agora diante de um robô! Ele(a) é capaz de tentar pegadinhas ou, então, inverter os papéis: despejar em voz alta uma enxurrada de “sabenças” (… aromas que lembram antigas gavetas…) enquanto o pobre robô assiste calado, meditando.
Bom, mas e a propósito: o que faz um sommelier?
Como ensinava mestre Sérgio de Paula Santos (**), enquanto o agricultor cuida da parreira, o enólogo cuida da vinha e o sommelier cuida do serviço do vinho. E o seu campo de atuação avançou sobre as áreas conexas: auxilia na escolha dos rótulos (as marcas a comprar) e a sua rotatividade — quando não executa diretamente a operação — zela pelo armazenamento não só das garrafas mas dos copos/taças que melhor se adéquam à maximização do prazer da degustação e, muitas vezes, é consultado (além dos restaurantes e assemelhados, obviamente) por distribuidoras de vinho, supermercados, caterings e atua, ainda, junto a cerimonialistas na montagem de festas de casamento, celebrações de empresas, recepções de governo, eventos gastronômicos e jantares em “petit comité”.
E alguns são midiáticos: participam de programas de TV, dão palestras, ilustram posters indicando vinhos ou preços em gôndolas de supermecados, assinam blogs, colunas e opinam em mídias sociai.
Mas voltando ao robô-sommelier, o que nos salva — por enquanto — é que pelo menos o cliente-enófilo será de carne e osso ainda por um tempo!
Ou também não?
(*) Defendo a tese de que não existe o encochato puro. É um chato paranoico que escolhe o vinho como a sua bala de prata!
(**) Sérgio de Paula Santos foi um médico paulista, enófilo e epicurista que a partir de um longo estágio profissional na Europa nos anos 50 tornou-se primeiro um apreciador e, na sequência, “professor” de vinhos. Tinha em SP uma adega de 15 mil livros só sobre o precioso néctar. Quando em 2001 decidi abrir um Vinho do Porto de 1871 que meu pai ganhou em Lisboa do Conde de Monsaraz (filho) e me ofereceu quando fiz 40 anos, convidei-o para abrir a garrafa e ele veio especialmente de São Paulo para a “missão” – e degustação, ça va sans dire!