por Reinaldo Paes Barreto
Introito: neste momento em que estamos vivendo (e estar vivendo já é um ganho!) um surto de recolhimento, de baixar de bola, de medo e de economia, falar de champagne e caviar – sobretudo para a maioria dos brasileiros — é algo tão fora do senso comum, para não dizer algo tão surrealista, quanto folhear prospectos de longas viagens maravilhosas: Ihas de Bali e Ilhas Maurício, a Polinésia francesa, cruzeiros por costas cinematográficas … com a Covid correndo mundo na nossa frente. E com o euro e o dólar nos cornos da lua!
Este artigo, portanto, tem um cunho muito mais de curiosidades enogastronômicas para curtir em casa, de pijama, como a leitura da degustação de um “pato numerado”, no restaurante da Tour d`Argent, em Paris, do que de um convite para apreciar esses prazeres do paladar(*) antes da vacina e/ou de cravar as seis dezenas da mega-sena!
Bom, vamos ao título: champagne e caviar. Duas iguarias de primeiríssimo escalão e o elo complementar entre dois países. O caviar é a cara da Rússia, embora os czares fossem loucos por champagne, que por sua vez é a cara da França, cujos gourmets não dispensam o esturjão.

Veuve Clicquot e Mme. Pommery
Haja vista o desempenho das duas maiores “CEOs das borbulhas”, a Madame Ponsardin (Veuve Clicquot) e a Madame Pommery, que exportaram milhares de “ampolas” para Moscou e São Petesburgo, além de para outros países (**) no século XIX. A Maison Roederer (Pommery), por exemplo, criou em 1876 uma garrafa especial, sob medida — a Cristal — para atender ao pedido do czar Alexandre II (bom de copo, bom gourmet, mas permanentemente apavorado com a hipótese de ser assassinado) , que além dessa transparência também exigiu garrafas sem aquela cavidade côncava, no fundo, para evitar que algum inimigo infiltrado como garçom escondesse ali alguma arma branca. Nasceu uma nova garrafa de champagne, totalmente visível (donde o cristal), mas não resolveu o problema: Alexandre II, imperador de todas as Rússias, o homem que acabou com a escravidão (formal) naquelas estepes geladas, foi assassinado por uma bomba lançada pelo terrorista Ignaty Grinevitsky contra a sua carruagem, na noite de 13 de março de 1881.
O champagne é um vinho cuja segunda fermentação se realiza dentro da garrafa, a partir das descobertas do monge Don Pérignon (***) que criou a mais fascinante corrente vertical de “pérolas de álcool” da história. Produzido no nordeste da França, em Épernay e Reims (a cidade mais importante da região de Champagne, porque lá foram coroados todos os reis de França até Napoleão que se orgulhava de não ser rei – coroado pela descendência — mas imperador, que chega ao trono pela espada! e que colocou a coroa em sua própria cabeça, na Notre-Dame de Paris) é um produto protegido por lei, que lhe garante a exclusividade da marca. Ele é composto em 90% das vinícolas por duas uvas tintas – Pinot Noir, Pinot Meunier e uma branca, a Chardonnay – com a pequena exceção do champagne Blanc de Blancs (só com uvas brancas).
Agora, o caviar. O que chamamos de caviar são ovas de peixe salgadas previamente, podendo ser essas frescas ou pasteurizadas. Diferentemente do que muitos acham, o caviar não provém necessariamente das ovas de esturjão. Pode ser extraído, também, de lumpo, capelin, truta salmonada, salmão e arenque (e botarda, como veremos abaixo). Cada um possui características específicas. Um caviar de qualidade, contudo, se caracteriza por grãos imaculadamente redondos, bem delineados e desgrudados uns dos outros. As ovas podem ser pretas, acinzentadas ou vermelhas. E não têm cheiro de peixaria. Existem três tipos de esturjão: o beluga, o osetra e o servuga. O caviar mais conhecido é o beluga, sendo também o mais caro. E o mais raro. Possui ovas maiores, sabor mais suave e sua cor vai do cinza-prata ao preto retinto. O osetra tem ovas um pouco menores e paladar suave, também. A cor vai do cinza ao ocre, podendo ser quase coral. O servuga tem as menores ovas, paladar forte e sua cores vão do cinza ao preto claro. Nas fotos, nessa sequência.
Observação: existe um caviar de salmão “Kosher”. É selecionado ova a ova. Ideal para ser servido quente ou frio, pois é o único no mundo que possui corante vegetal. O padrão de qualidade é alto e por isso, muito valorizado.
Bom, mas temos uma espécie de “caviar do B”, as ovas de tainha, conhecidas em italiano por botarga. Abundante na costa da Sardenha, possui um complexo processo de fabricação. Depois de extraídas do peixe, as ovas são salgadas e desidratadas. Mas, antes, são espremidas para que percam todo o sangue. Finalmente, há a secagem em câmaras ou fornos elétricos. No método tradicional, a matéria prima fica exposta ao sol por até um mês, como faziam os egípcios, que consumiam ovas de peixes secas. Era o alimento de pescadores em alto mar. No Brasil, o maior produtor é Santa Catarina. Elas são produzidas para consumo imediato ou congeladas para a distribuição à distância. E há, inclusive, festivais de botarga.
Enquanto o caviar “admite” além do champagne, como escolta, vodka ou até o clássico Chablis, a botarga vai bem com um dos dois vinhos brancos, secos, mais conhecidos: o Sauvignon-Blanc. Mas se preferir algo mais feminino, vá do “multimídia” Chardonnay!
Santé et Bon Apéttit!
(*) Como uma das marcantes diferenças entre alimentação e gastronomia é que esta última compreende, sempre, a companhia de outras pessoas, proponho essa baliza.
(**) Em 1826, chegaram ao Brasil (RIO) as primeiras garrafas de Veuve Clicquot, encomendadas em carta escrita de próprio punho pelo imperador D. Pedro I.
(***) Basicamente as descobertas de Don Pérignon foram cinco: a) a mistura de diferentes castas da região; b) separação e prensagem em separado das duas uvas pretas que compõem o “blend” (Pinot Noir e Pinot Meunier); c) uso de garrafas de vidro espesso para melhor resistir à pressão da segunda fermentação: d) uso de rolha de cortiça (vinda da Espanha) que permitiu substituir o antigo “tampão”de cânhamo embebido em azeite: d) a escavação de profundos “andares”embaixo da terra, com kms de extensão, para que os champagnes repousassem longe de luz, barulho e trepidação.