por Bruno Cavalcanti
Projeto idealizado pelo empresário e diretor artístico Marco Griesi para o Teatro Porto Seguro, Cantoras Musicais chegou ao fim na última quarta-feira, 20, com a apresentação de Just 4 Show, espetáculo que uniu em cena as atrizes Lívia Dabarian, Talita Real e Thaís Piza encabeçadas por Kiara Sasso (em foto de Edson Lopes Jr.).
Ao longo de pouco menos de dois meses, duas vezes por semana, o teatro inaugurado em 2015 (com o intuito de revitalizar uma área altamente prejudicada do centro de São Paulo) recebeu shows de nomes como Zezé Motta, Simone Gutierrez, Alessandra Maestrini, Totia Meirelles e Malu Rodrigues, entre outras atrizes que também desenvolvem um trabalho paralelo ao da carreira em grandes musicais.
Possibilitando um intercâmbio profissional entre as carreiras destas cantrizes reconhecidas por seus papéis em grandes produções do teatro musical, Cantoras Musicais não tem pioneirismo na proposta. Muitas casas de shows, teatros e mesmo produtores já puseram em prática ideias do gênero.
Entretanto, nenhum com a estrutura pensada por Griesi, possibilitando não apenas uma programação contínua, mas também a forte possibilidade de outras edições do projeto (que já começa a escalar nomes para a edição prometida para 2018).
Dos 12 shows que compuseram o projeto, esta santíssima coluna acompanhou oito apresentações, possibilitando assim um balanço geral da proposta. Pioneira na união das carreiras de atriz e cantora, Zezé Motta é hors concours no gênero e, talvez por isso, escolhida para estrear a primeira edição do projeto.
Consciente do tamanho de sua trajetória, Motta fez um show de tom linear, no qual passeava por canções que compõem sua discografia no show Atendendo a Pedidos, no qual, acompanhada de dois violões, interpretou temas de Chico Buarque de Hollanda, Caetano Veloso, Jards Macalé e Luiz Melodia, entre outros.
Entretanto, a despeito da linearidade do roteiro, é importante ressaltar que Motta tem história o suficiente para fazer um show retrospectivo sem esbarrar no preguiçoso tom caça-níquel. E foi com essa consciência que a cantora entregou um show descontraído e descompromissado, bem alinhado à sua personalidade.
E com personalidade, na noite seguinte, Alessandra Verney serviu um charmoso e corajoso roteiro em Café de Hotel, show em que mostrou envolvente faceta de interprete passeando por temas compostos por Cazuza, Dalto, Rita Lee e Roberto Carlos, além de pescar pérolas do cancioneiro popular, como Amor com Café, obscuro tema gravado por Elba Ramalho em irregular disco da década de 1980.
Contando com a ótima participação de Daniel Boaventura, Verney provou que, em cena, tem personalidade e uma linguagem própria, muito presente em suas canções autorais e interpretações pouco convencionais.
Na semana seguinte, passeando pelo repertório de seu pai, um certo roqueiro psicodélico de nome Zé Rodrix, Marya Bravo fez show De Pai pra Filha com um tom hippie e uma pegada de atitude. Passeando pelas canções lançadas pelo compositor na década de 1970, Bravo fez show enxuto, mas embebido numa aura transgressora que fez da apresentação um dos grandes destaques desta primeira edição do projeto.
Menos feliz que suas colegas, Simone Gutierrez cantou Liza Minnelli com segurança em Liza e Eu, mas foi prejudicada pelo fiapo de dramaturgia roçado pelo texto irregular de Cacau Hygino em show que crescia quando a atriz dava lugar à (boa) cantora. Em contrapartida, muito da graça de French Kiss, apresentado por Renata Ricci na semana seguinte, estava no saboroso texto pensado pela atriz.
Show com ares de grande musical, French Kiss passeou pelos clássicos do cancioneiro popular mundial abordando canções como Kiss (Prince), Is This Love (Bob Marley) e Tatuagem (Chico Buarque de Hollanda) em fluentes versões em francês assinadas por Edgar Duvivier. Com uma banda tamanha, Ricci fez graça e flertou com uma sensualidade de início de século em espetáculo mais afinado com os musicais que a atriz está acostumada a fazer.
Do outro lado, em show revisionista, Totia Meirelles reafirmou a impressão de que é uma atriz de extremos no show Meu Nome é Totia, que fundiu temas que tomou pra si em musicais como Company e Gypsy, com canções do imaginário popular brasileiro, como Retalhos de Cetim, Não Deixe o Samba Morrer e Volta por Cima, em espetáculo que ressaltou os grandes dotes vocais desta atriz de forte personalidade cênica.
E se força é um adjetivo justo para o show de Meirelles, também é a mais perfeita tradução para a pista de dança armada por Gottsha em seu show Discotheque, no qual valoriza grandes temas da disco music dos anos 70 com sua voz tamanha.
Com a participação mais afetiva do que realmente especial de Kacau Gomes e subida entrada em cena de Lady Zu, a cantora conquista sincera empatia da plateia formada (majoritariamente) pelo público LGBT.
No caminho inverso, Malu Rodrigues passeou no tempo da delicadeza pela obra do compositor norte americano Burt Bacharach no show Close to You, dirigido pela dupla Charles Möeller e Cláudio Botelho. Cantora de tons leves, Rodrigues cresceu em cena quando driblou o nervosismo e apostou em temas que não remetiam às (saborosas) baladas do compositor.
Com a participação de Cláudio Botelho, a atriz fez graça e extraiu grandes momentos de um repertório recriado com coragem pelo maestro Marcelo Castro, mas teve seus melhores momentos quando cantou as (fluentes) versões de Botelho para temas como Promises, Promises e Knowing when to Leave num show que elevou sua cotação no mercado pop.
O projeto contou ainda com shows de Kiara Sasso (com Silhuetas, show retrospectivo em que transita por seu universo artístico), Alessandra Maestrini (com o jazzístico show Drama n’ Jazz, um dos pioneiros deste intercâmbio profissional), Leilah Moreno (com a superprodução Neo Soul Funk) e as supracitadas Thais Piza, Lívia Dabarian, Talita Real e Kiara Sasso (com o coletivo show de cabaré Just 4 Show).
O fato é que, entre pouquíssimos baixos e muitos altos, Cantoras Musicais é um projeto importante para o mercado teatral brasileiro por proporcionar um filão ainda pouco explorado no país, porém amplamente difundido na Europa e nos Estados Unidos. Uma chance de prestar atenção em uma nova vertente do mercado fonográfico, quando esta consegue se desvencilhar do teatro.
Confira abaixo a seleção dos cinco melhores shows na avaliação da coluna:
1- Café de Hotel – Alessandra Verney
Corajoso sopro de novidade no intercâmbio do gênero, Verney abriu mão por completo de sua verve teatral para apresentar um trabalho de fôlego e personalidade, mostrando-se uma talentosa compositora e uma ótima interprete.
2- De Pai pra Filha – Marya Bravo
Cantora de atitude, Marya passeia com insuspeita segurança pelo universo hippie e psicodélico do rock dos anos 70, com roteiro irretocável num show que, contrariando o lugar comum, não peca pelo excesso nem de discurso nem de seleção. É um show enxuto feito para ouvintes de cuca legal.
3- Meu Nome é Totia – Totia Meirelles
A despeito de ser um show retrospectivo, Meu Nome é Totia apresenta uma vertente pouco conhecida desta atriz de grandes dotes vocais. Totia não é necessariamente reconhecida por sua voz tamanha, e comprova o tamanho da injustiça quando passa por temas como Ladies Who Lunch, de Stephen Sondheim, Nem Morta, de Michael Sullivan, Desabafo, de Roberto Carlos e, principalmente, Bom Dia, de Herivelto Martins. Um show, mais do que retrospectivo, de introdução a uma grande cantora.
4- French Kiss – Renata Ricci
Mais relacionado a um musical de bolso do que a um show propriamente dito, French Kiss é um espetáculo solar e saboroso, no qual Renata Ricci, além de boa atriz, se prova uma comediante de mão cheia, ressignificando versos de temas como Depois do Prazer, do grupo Só pra Contrariar, e sublinhando a dor tamanha de Tatuagem, de Chico Buarque. Além de desconstruir temas, como a ciranda Teresinha, que flerta com o tango com a boa participação de Felipe Tavolaro.
5- Close to You – Malu Rodrigues
Cantando Bacharach sem subir o tom nem abusar de excessos, Rodrigues conseguiu sublinhar dor e beleza em versos como The Look of Love e Walk on By. Ainda que faltando força em algumas interpretações (como I Say a Little Prayer), a cantora conseguiu construir bonita ponte entre a obra passional do compositor norte americano e uma serenidade quase bossa novista em show que, quando cair na estrada, crescerá ainda mais.