por João Victorino
Existem viagens que nos fazem imaginar como iremos encontrar uma cidade que marcou uma época de nossa vida. Isso ocorreu quando me decidi rever Barcelona, depois de muitas anos, uma boa dose de juventude, e o espírito desbravador que a pouca idade nos permite viver, sem medo e receio.
Ainda no Tom Jobim, no Rio de Janeiro, um antigo piloto de caça e hoje pilotando os jatinhos de importantes empresários brasileiros, comentou que deveríamos ter a maior atenção nessa cidade espanhola, pois os larápios estavam por todos os cantos.
Cheguei com medo. Mas, ao mesmo tempo, pensei nas palavras do escritor catalão, Manuel Vásquez Montalbán: “Barcelona é muitas cidades numa só”.
Mediterrânea, colorida, cosmopolita, apaixonante, cativante, rebelde, pos-moderna, parece ter mil faces, e cada uma mais envolvente que a outra. É uma cidade plural. Alia as riquezas que deslumbram os turistas – boa parte delas declaradas Patrimônio da Humanidade, pela Unesco -, e o fato de estar entre as mais procuradas para congressos internacionais.
Não há como não se extasiar com a arquitetura esboçada por Domènech i Montaner, Antoní Gaudí e Puig i Cadalfach, nos primórdios, impondo o Modernismo como uma escola, quando outros países europeus estavam desfrutando do Liberty e do Art Nouveau, por exemplo.
As formas arredondadas; o movimento das linhas dos balcões; as esquinas em curva, para permitir uma melhor visão do tráfego por parte dos pedestres; e as vielas labirínticas, para abrandar a força do vento, tradicionais no Barri Gótic, estão impregnadas de história.
Mas Barcelona não parou no tempo e no espaço. Evoluiu. Se atualizou. E um marco dessa virada foi a preparação da cidade para os Jogos Olímpicos de 1992. Por exemplo, o alojamento dos atletas foi construído próximo à linha do mar. Ao contrário do que ocorreu com a Vila do Pan, na Barra da Tijuca, a de Barcelona foi transformada num condomínio para famílias abastadas, que optaram por sair das cercanias das montanhas, para este novo bairro.
Aliás, a cidade tem uma área de imóveis de alto luxo e indiscutível qualidade, que se espraiam pela parte alta, da Ronda General Mitre até as fronteiras do Monastério de Pedralbes. Porém, a evidência da crise econômica que está assolando a Espanha, aparece nas muitas placas de venda de imóveis e outras tantas de locação, que dominam muitas fachadas.
Mas essa crise passa ao largo de regiões como a Passeig de Gràcia, considerada a Avenue Montaigne, dos parisienses, tal a quantidade de grifes alí encontráveis. Tem Gucci, Bulgari, Burberry, Chanel, Tiffany, Cartier, Hermés, Louis Vuitton, Emporio Armani e a prata da casa, Adolfo Dominguez. Essas marcas também podem ser encontradas em outras regiões, como a calle Diagonal e o bairro de Santa Eulália, outras duas referências da sofisticação na cidade.
Em matéria de compras, tem também um centro comercial edificado em 2002, que fica longe da região turística, onde só tropeçamos com os nativos. É o belo Gran Via 2, um lugar com uma arquitetura diferenciada e considerada única na cidade. Tem mais de 200 lojas, de marcas bem conhecidas. Fica próximo à estação de trens de Idelfons Cerdà. Detalhe: alí se fala mais o catalão do que o castelhano.
A gastronomia é um capítulo à parte. A culinária catalã está entre as mais apreciadas da atualidade. As notáveis criações de Ferran Adriá podem ser degustadas no El Bulli. Mas existem outras referências nessa área, como o Les 7 Portes, aberto há176 anos, no Passeig d’Isabel II, na parte antiga do porto, considerado uma instituição, e um dos preferidos do Rei Juan Carlos. Os assentos têm o nome de seus ilustres frequentadores.
Nessa área da Barceloneta, pode-se encontrar uma infinidade de restaurantes. Para todos os gostos e todos os bolsos. No Palau de Mar, o Passeig Joan de Borbó e a Plaza Pau Villa têm uma sequência de casas à beira da calçada, 0nde se almoça ou janta apreciando o vai e vem dos passantes.
Para aguçar o apetite, é imperdível uma caminhada pelos diversos mercados. Um dos mais frequentados é La Boqueria, na movimentadíssima La Rambla, 91, onde as barracas de embutidos e os mais ambicionados presuntos serrano, ibérico e pata negra dividem o espaço harmoniosamente com uma imensa e sortida seleção de queijos. Dá vontade de puxar uma cadeira, pedir uma cerveja ou um bom vinho, e deixar o dia passar, sem se preocupar com os ponteiros do relógio.
Como passei um período qeu englobou o carnaval, pude reparar grupos de brasileiros aqui e alí. Nos bons restaurantes, raramente eram vistos ou ouvidos. Mas nas Ramblas, na Plaza Catalunya, e no magazim El Corte Ingles, estavam sempre presentes.
De maneira alguma podiam ser classificados no mesmo padrão dos que encontrei em Lisboa. Os turistas que optaram por Barcelona pertenciam a uma camada social bem mais requintada, uma classe média não emergente. Não demonstravam a fúria consumidora, que vi em Lisboa, onde pareciam ‘crianças famintas’ nas araras de roupas, achando tudo muito barato, embora o peso do euro só fosse ser descoberto no retorno ao lar doce lar, quando os cartões de crédito começassem a enviar as faturas e as taxas de câmbio mostrassem valores em real bem superiores aos imagináveis.
Como os brasileiros são reconhecidos como compradores impulsivos, os vendedores das lojas e os atendentes dos restaurantes populares e os de fast food, estão procurando entender o nosso idioma, com a maior amabilidade. Afinal, o tilintar das moedas que levamos estão animando a recessão espanhola.
João Victorino é jornalista.