por Anna Ramalho
Amo a Itália, fui gerada em Milão – meu pai trabalhava no Consulado brasileiro àquela altura – e estou chocada e muito triste com o que o coronavírus já fez por lá. E muito temerosa do que pode fazer por cá, neste momento em que esse bichinho microscópico provoca um estrago tão violento quanto uma patada de elefante.
Ver Veneza completamente deserta, confesso, me entristeceu, mas também me fez até rir com minha amiga Gilsse Campos, companheira de muitas viagens, que encontrei semana passada, quando ainda podíamos sair de casa. Certa ocasião, estávamos as duas na cidade e eu andava querendo comprar uma corrente para óculos. Mas queria uma corrente moderna, diferente, pra não ficar com aquela cara de avó da gente, quando a gente tinha 15 anos. Numa ótica, perto da Piazza San Marco, vi uma que me agradou – grossa, comprimento bom, imitação perfeita de tartaruga. No que ia entrar na loja, formou-se uma muvuca tão grande naquela calçada, era tanta gente passando, que fui embolada na multidão, carregada no vácuo. Até hoje me lembro da linda corrente que não consegui comprar. Veneza vazia me deprimiu. Não combina.

A bela Veneza, sempre tão cheia de turistas, anda às moscas. Triste de ver
Uma outra vez, no século passado e recém-casada, estava em Roma com o Ricardo, então meu marido, quando encontramos o Edney Silvestre – na época, publicitário. O jornalismo e a literatura só viriam muitos anos depois. Saímos muito juntos e, numa das vezes, o Ricardo resolveu comprar uma capa de chuva na Gucci. Edney e eu acompanhamos para dar apoio moral e conhecer a chiquérrima loja da Via dei Condotti. Enquanto Ricardo escolhia a capa, Edney viu um bonitão, alto, muito bem vestido, e me cutucou: “Olha o O.J. Simpson!!!!”. Claro que só ele, àquela altura (1976), sabia quem era o famoso jogador de futebol americano. Tanto a Gucci quanto a Roma histórica fervilhavam de turistas, todos correndo com suas moedinhas para a Fontana di Trevi, as moedinhas mágicas que, uma vez atiradas, nos trariam de volta à Cidade Eterna.

Na Fontana di Trevi sempre joguei minhas moedinhas para sempre voltar a Roma
Voltei muitas outras vezes e sempre com histórias hilárias e sempre com a cidade entupida. Fui com Fernando, meu segundo marido, comer o “vero” fettucine do Alfredo, cujo conheci aqui no Rio ao tempo em que ele teve restaurante no finado hotel Inter-Continental de São Conrado. Ele veio à nossa mesa para que provássemos a pasta com a colher de ouro. Coisa só pra clientes muito especiais. Te mete!
Foram dias divinos, um inverno frio, mas cheio de sol, quando também fomos de trem conhecer Assis, a terra de São Francisco. Amo o santo e amo sua cidade. Momento de fé.
Da última vez, já tem um tempinho, aceitei o convite de Gilda Mattoso para um show em homenagem a Vinicius de Moraes – de quem Gilda é viúva – no famoso Teatro Sistina, onde se apresentariam a querida e saudosa Miúcha com Paulinho e Daniel Jobim. Foi um show maravilhoso e pude conhecer pessoas interessantíssimas, como o jornalista Marco Moledini e sua mulher Lorenza, que nos receberam para jantar no belíssimo apartamento do Campo dei Fiori. Ele é uma das maiores autoridades em MPB e, além de nos receber divinamente, ainda me apresentou a um vídeo de Caetano Veloso cantando Il Mondo, música da minha adolescência. Belíssima interpretação, diga-se. Estava no mesmo jantar a queridíssima e saudosa tia Léa Millon, em cujo apartamento – alugado para a temporada anual que ela fazia em Roma – Gilda e eu ficamos por algumas noites.
Não me lembro de uma vez que não tenha tropeçado em gente do mundo todo, aos milhares, pisando as pedras seculares de Roma, cidade que amo e que ainda pretendo visitar muitas vezes.
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Hoje estamos todos no mesmo barco: Roma, Pequim, Paris, Tóquio, Rio, São Paulo, todos confinados. E apavorados.
Como sou da Fé, rezo a Deus para que nos proteja a todos. Principalmente aqui no Brasil, onde quem deve zelar pelo povo prefere desafiar a doença e brincar de super-herói. Irresponsabilidade e falta de respeito. Um dia a conta chega.
Bom isolamento a todos. Vida que segue.