por Anna Ramalho
Foi numa casa de vila em Ipanema – entre as ruas Joana Angélica e Maria Quitéria – que conheci Nana Caymmi em 1971. Era a casa de Christina Castello e Lula Carvalho, que esperavam para qualquer momento o nascimento do primogênito Rodrigo.
Era uma casa de muito riso, que conheci, então, como namorada daquele que viria a ser marido e pai do meu filho, o Ricardo.
Além de Nana, frequentavam o casal a prima Beth Carvalho em início de carreira, seu noivo Edmundo Souto, as atrizes Gracinda Freire e Ruth de Souza e até Maria Bethânia, que foi madrinha do casamento em que Nana cantou Acalanto durante. As celebridades de uma época em que sequer existia o conceito. Noves foras uma quantidade de mães e tias com nomes de flores – Amarílis, Glicinia, Gardênia e Edelweiss – primos aos montes e sempre muito movimento. O pôquer também era de lei e convivia pacificamente com a cantoria.

Nana em 1971, o ano em que a conheci, em foto da grande Thereza Eugênia
Nana era, sempre, a voz mais alta e a mais engraçada. Sempre foi assim.
O Rodrigo nasceu, Lula e Christina se separaram tempos depois, eu casei, mudei, tive o Christiano, separei, mas todos os laços foram mais ou menos mantidos. Com Christina estou a toda hora; com Ricardo, bastante; com Lula, virtualmente; com Nana, muito menos do que gostaria. Ainda mais agora com essa pandemia dos infernos.
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No vaivém da vida – que tanto gosta de embaralhar os naipes – tive a sorte de cruzar com ela muitas e muitas vezes.
Lembro de Nana casada com Gilberto Gil e morando num apartamento na Rua Pompeu Loureiro, em Copacabana, onde fui encontrá-los pra entrevistar sobre a vida e a parceria recente, a música Bom Dia, finalista de um dos festivais : “Acorda, meu amor/ a usina já tocou/ Acorda, é hora de trabalhar …”
Lembro de Nana no apartamento simples, zero de glamour, sua gargalhada única em contraste absoluto com jeito zenGil de ser.
A gargalhada de Nana é como a sua voz: única !
Ela é das pessoas mais hilárias que conheço.
Lembro de Nana pelos bares da vida, naquele tempo em que havia bares e havia vida. Cantando e dando esporro em quem só estava ali pra encher a cara, bater gelinho e desrespeitar o artista.
Foram esporros épicos!

Nana e seu pai, Dorival Caymmi, que para ela compôs Acalanto, a mais linda canção de ninar
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Nana e sua família notável. Os patriarcas Stella Maris e Dorival Caymmi, que não tive o prazer de conhecer, mas soube da vida toda na bela biografia escrita pela neta Stellinha, filha da cantora. Nana e seus irmãos, Dori e Danilo, dois talentos absurdos. Assisti aos três, num Vivo Rio lotado e delirante de aplausos. Merecidíssimos. Show inesquecível.

Nana e seus irmãos, Dori e Danilo. Uma família que honra e orgulha a música brasileira (Foto Divulgação)
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Houve um tempo recente em que fazíamos hidroginástica com a Stella Torreão. Em piscinas diferentes. De repente, eu e toda a academia éramos brindados com alguma interpretação sua: a voz retumbante, sem qualquer acompanhamento. A Voz.
“Os clarins da banda militar/passam para anunciar/ minha Dora, agora vai passar/ venham ver o que é bom…”
Vamos combinar que não posso me queixar da vida. É muita história pra contar, né, não ?
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Se bem conheço a peça, ela deve ter acordado no último dia 29 de abril saudando “puta que pariu, 80 anos !!!!”
Pois é, querida musa. 80 anos. Ou, como tão bem numeram os franceses, quatre-vingt, quatro vezes 20 anos. Faz mais a sua linha essa conta.
80 anos da maior cantora do Brasil.
Vida longa, Nana do meu coração. Louca pra passar essa doideira de pandemia e a gente poder tomar uns uisquinhos.
Te cuida !