Para Cissa
As mães têm pavor de telefonemas de madrugada. As mães têm sobressaltos e não pegam no sono pra valer enquanto seus filhos não estão todos em casa, a salvo, de preferência dormindo serenamente, enrolados sob os edredons. As mães temem as más companhias. As mães morrem de medo da violência reinante. As mães abominam as drogas e, se pudessem, seus filhos jamais tomariam nem aquele porre da iniciação à vida de macho, digamos assim. Ou aquela tentadora e, por vezes, aliciante flûte de champagne que o namorado da vez oferece à sua filhinha. As mães têm pavor a cada noite que seus filhos saem dirigindo. Carros, motos, bicicletas. O “outro” pode causar a desgraça, quantas vezes as mães dizem isso a seus filhos – principalmente àqueles, no final da adolescência, que se acham invencíveis, imortais, com superpoderes dos super-herois que não são. As mães sentem todas as dores dos filhos. As físicas e as morais.
As mães têm pavor de telegramas, quando seus filhos estão viajando.
Mãe é mãe. São todas iguais.
E porque somos todas iguais, e porque sinto todas essas angústias com meu filho adulto, casado, pai – mas filho único – meu coração bate no compasso do coração da querida Cissa Guimarães, esta atriz maravilhosa, ser humano extraordinário, uma pessoa basicamente feliz, que agora sofre, chora e se desespera, com a morte estúpida de seu filho caçula, o Rafael, que não morreu de overdose, ou vítima de bala perdida, as tristes banalidades deste nosso tempo e desta nossa cidade. Rafael morreu de cara limpa, brincando – uma brincadeira perigosa – mas brincando. Andando de skate. Coisa de moleque. Moleque do bem.
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(Não posso entender e não entenderei jamais como se faz vista grossa a manobras radicais dentro de túneis em manutenção. Nem por que, numa cidade que tem tanto sucesso com a Operação Lei Seca, que bota tantos fiscais pela rua, as bocas dos túneis fiquem sem vigilantes durante as interdições. Os túneis do Rio são tão perigosos que devem ser vigiados as 24 h do dia por policiais. Vigilância virtual é coisa pra Bélgica)
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As mães têm medo que seus filhos caiam nas mãos de policiais corruptos, de policiais que fazem vista grossa a gritantes evidências e liberam aqueles outros filhos de mães atentas, que sofrem, que não dormem enquanto eles não chegam.
Mas mesmo as melhores mães, elas também, não têm super-poderes. Quantas vezes as mães pedem a seus filhos que não corram? Que não se metam em pegas? Que pratiquem a direção segura? Quantas mães já não ameaçaram tirar o carro, não pagar a multa, não bancar o conserto? Quantas?
Cissa é uma supermãe. Lembro dela, um dia, quando me pediu que desse uma força com uma nota para um dos guris. E era especialmente agarrada com o Rafael, o caçula, um grude só. Corta meu coração pensar que ela está sofrendo aquela dor que Chico Buarque, com sua sensibilidade, tão magistralmente retratou em Pedaço de mim: “a saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu.”
Não tenho mais o que te falar, amiga, e grande mãe. Te ofereço o meu carinho e a minha solidariedade – de mãe para mãe.