por Anna Ramalho
Já disse aqui há umas semanas e repito: estou com dificuldade para escrever, luto para me concentrar. A mente voa, povoada por preocupações concretas, sonhos abstratos, sempre procurando luz nesse tempo de trevas que vivemos. Uma escuridão e uma falta de perspectivas positivas de arrepiar. Tenho invocado muito o espírito da Pollyana. Só ela com seu prisma de cristal para soltar reflexos iluminados e benfazejos. Tá puxado. Tá puxadíssimo.
As lives me salvam. Muito bom conversar com amigos que têm boas histórias pra contar ou conhecer pessoas que passarão a me enriquecer de alguma maneira. De uma certa forma, me faz sentir como se estivéssemos juntos num bar, na praia, amigos botando a conversa em dia. Sinto falta dos abraços. Gosto de abraçar e abraço de verdade, com vontade, com emoção. Mas não estamos podendo. E eu me lembro daquele “abraçaço” do Caetano, nosso grande Narciso, que só me fez o bem nessa pandemia. Dívida de gratidão com ele pelo documentário tão verdadeiro e comovente, pela live das lives com aquele canto lindo com os filhos Moreno, Zeca e Tom.
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O jacaré pantaneiro tomando seu solzinho. No hotel, tinha um grandão dentro d’ água
Agora, como se não faltasse mais nada, esse incêndio no Pantanal. Arrasada com isso. Tem uns cinco anos estive por lá em ocasião inesquecível: era aniversário do querido amigo Paulo Reis e nossa amiga Graça Oliveira Santos ofereceu a um pequeno grupo um fim de semana no magnífico hotel do SESC no Pantanal. Fomos festejar o Paulo em meio a jacarés, onças pintadas, tuiuiús, capivaras, macacos – a fauna e a flora da região pantaneira em toda a sua glória: as irmãs Angela e Marcia, a outra Marcia, o Chicô, o Mauro, o Alessandro. Experiência única, beleza para todos os lados, orgulho de ser brasileira. Orgulho de viver num país que tem uma Floresta Amazônica, o Pantanal, os Pampas, o litoral deslumbrante, a riqueza e a pujança de Sampa, as montanhas e as artes de Minas – e o Rio de Janeiro, a joia da coroa.

O tuiuiú: a ave que só aparece por lá. São milhares deles, como estarão agora?
Acordávamos cedo para os passeios deslumbrantes, para o raiar do dia ao som dos pássaros, para caminhadas pelas trilhas abundantes em vegetação e surpresas. Foi uma viagem verdadeiramente inesquecível e que hoje me provoca uma dor imensa no coração. De saudade e de tristeza.

O dia raiando no Pantanal de Mato Grosso: espetáculo único
Enquanto eu e tantos outros sofremos – para não falar dos pantaneiros e da fauna morta e ferida, mostrada em imagens de cortar o coração – nossos governantes riem – RIEM!!!!!! – da desgraça, em mais um vexame que pagamos para o mundo. Este Brasil que tanto me orgulha vem sendo sistematicamente achincalhado em sua imagem externa, prejudicando imensamente o turismo, fundamental para todos os estados, mas hoje especificamente naquela região sempre muito mais procurada pelos estrangeiros do que pelos brasileiros. Não é que falte vontade aos nativos – falta grana mesmo.
Tenho dado graças a Deus de não estar podendo sair do Brasil. Ser brasileira, hoje, me dá vergonha.
Quanto à falta de dinheiro, prefiro não comentar. Mas, a persistir a inflação que sentimos na carne e eles teimam em negar, a coisa vai ficar preta. Faz quase 30 anos que temos moeda relativamente estável. Saudade de Itamar Franco, o vice que disse a que veio. Saudade de FHC, que continuou o que Itamar propôs e, que para meu grande alívio, já declarou publicamente que errou ao propor e conseguir esse câncer da reeleição. Antes tarde do que nunca. Quero meu Brasil de volta. Esse que está aí não me representa.
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A coisa tá feia na TV Globo. Sobrou até pro Antonio Fagundes, até então intocável. Assim mesmo – e justo nessa hora tão trágica – ele já parece confirmado no remake de Pantanal, a novela.
Mais ironicamente ainda, a emissora faz cortes nos grandes nomes da dramaturgia – todos idosos, claro – no ano em que se comemora o 70º aniversário da televisão no Brasil.
Tudo muito esquisito, né, não? E imensamente triste e inquietante.