por Reinaldo Paes Barreto
Neste Carnaval de 2021 – pelo menos do Sudeste para cima, embora esteja fazendo calor no Sul – o ar-condicionado (ligado) foi muito mais usado do que confete e serpentina. E acho que cerveja, também. Donde esta homenagem a ambos.
Ar-Condiciondo. E repito o início de um artigo de há cinco anos, que abrange nossos dois “personagens”” : você gosta de ar condicionado? Então agradeça à cerveja.

o engenheiro alemão Carl von Linde
E isso porque para ser produzida (e apreciada com prazer), a cerveja precisa ser refrigerada, especialmente na fase de maturação, quando a sua temperatura deve ficar em torno de 0ºC. Como no verão europeu isso era praticamente impossível (embora já existissem geladeiras nos EUA desde 1866), o físico e engenheiro alemão Carl von Linde desenvolveu em 1894 — a pedido da cervejaria Guinness, (irlandesa) — um revolucionário método de arrefecimento que foi batizado de técnica de Linde, para a liquefação de grandes quantidades de ar.
Resumindo, essa técnica recorreu ao princípio da contra-corrência, através do qual o ar é sugado para uma máquina que o irá comprimir, pré-arrefecer e, por fim, descomprimir. Hoje, aperfeiçoados, os ares-condicionados são compostos por um condensador, um evaporador, um ventilador, além de um conjunto de serpentinas resfriadas dentro do aparelho por uma substância — R-22, à base de cloro, flúor e carbono. O ar sugado do ambiente passa pelo condensador, que promove a troca do calor pelo frio, percorre esse circuito das serpentinas e é “expulso” , já refrigerado, para o ambiente externo.
Cerveja. Além de “mãe” do ar-condicionado, cerveja também é cultura. Shakespeare, por exemplo, faz 14 menções à palavra “ale” e cita cinco vezes a palavra “beer” ao longo de sua obra teatral (cerca de 40 peças).
O que nos leva a duas conclusões: uma é que no tempo de Shakespeare – ele viveu de 1564 a 1616 – a cerveja já era uma bebida muito popular no Reino Unido e, a outra, é que além de gênio, o bardo de Stratford-Upon-Avon gostava de uma “amarga” (*) quase que hereditariamente. O pai dele era o mais próspero comerciante de “ales” da região.
Um gole de história: a cerveja é provavelmente proveniente da Mesopotâmia (talvez mais precisamente da Suméria, atual Iraque), mas foi no antigo Egito que ela iniciou a sua carreira de sucesso universal. Inscrições em hieróglifos de mais de 3 mil anos a.C. testemunham o gosto daquele povo às margens do Nilo pela henket e pela zythum (**). E, curiosamente e por conta do movimento pendular da história, as cervejas eram totalmente artesanais.

duas egípcias produzindo cerveja
De lá, correu mundo. E os gauleses a chamavam de cerevisia em homenagem a Ceres, deusa da agricultura e da fertilidade.

a deusa Ceres
Sim, mas o que é a cerveja, afinal? É o resultado da fermentação alcoólica do mosto de algum cereal maltado, sendo o melhor e mais popular a cevada. Mas outros cereais maltados ou não maltados são igualmente usados, incluindo o trigo, arroz, milho, aveia e centeio. Além disso, como a água é o seu principal elemento, a origem dessa água e as suas características têm um efeito determinante na qualidade da cerveja, influenciando, por exemplo, o seu sabor. Outro ingrediente muito importante é o lúpulo, uma trepadeira de origem europeia que muito embora tenha parentesco com a maconha, não possui propriedades entorpecentes.
Além do lúpulo, dezenas de estirpes de fermentos naturais, ou cultivados, são usados pelos cervejeiros, o que resulta nas duas famílias principais de cervejas: as lagers, de baixa fermentação, com aroma suave e as ales, de alta fermentação e sabor frutado, apresentando uma coloração que varia do dourado ao marrom escuro.
Todas devem ser tomadas a uma temperatura de 2 a 6 graus, porque estupidamente gelado só chope. E chope é a versão “primo de bermuda” dessa nobre irmã do vinho, tão nobre e antiga quanto ele.

cerveja é muito diurética e essa pérola do humor inglês transporta para esses totós a disciplina de esperar a sua vez… nos pubs!
(*) A adição do lúpulo à fórmula da cerveja, introduzida pelos monges nos anos 700 d.C., serviu não apenas para “puxar” o sabor para o amargo mas, e sobretudo, para evitar que ela se deteriorasse.
(**) A henket era um cerveja suave, com pouco álcool, e cujo aroma lembra camomila e sândalo. Já a zythum ou zythos, apreciada por todas as camadas sociais, significa em grego “vinho de cevada”. E teve tal importância que zitologia é o estudo da cerveja, como enologia é o estudo do vinho.