por Bruno Cavalcanti
A idade sempre foi um fantasma bastante rentável para o mercado cultural ao redor do mundo ocidental. Principalmente – ou exclusivamente – quando se tratava da idade de algum ícone feminino.
Foi com este mote que Billy Wilder concebeu o roteiro (ao lado de Charles Brackett e D.M Marshaman Jr.) e dirigiu Sunset Boulevard (no Brasil, Crepúsculo dos Deuses), um dos melhores filmes da década de 50 e responsável por recolocar no mapa o nome da ex-estrela do cinema mudo, Glória Swanson que, a época das gravações, já era uma jurássica senhora de 50 anos de idade.
No filme, Swanson vivia a ex-grande estrela de cinema Norma Desmond, um dos maiores nomes das películas mudas dirigidas por Cecil B. DeMille que, com a transição para o cinema falado, perde seu posto e, graças a sua idade já avançada (por volta de 40 anos) acaba no esquecimento. Qualquer semelhança com a história de Swanson e uma série de suas colegas de geração, não é mera coincidência.
Em O Que Terá Acontecido a Baby Jane?, Bette Davis e Joan Crawford, então com 54 e 57 anos, respectivamente, viviam duas irmãs enclausuradas em um casarão. A personagem de Davis havia sido uma grande estrela mirim do teatro de variedades, enquanto a de Crawford, uma grande estrela de cinema que, após um acidente, é obrigada a se afastar dos holofotes em uma versão pouco ortodoxa da história de vida da stripper Gypsy Rose Lee.
As atrizes só puderam fazer o filme porque Hollywood já as havia jogado para o esquecimento por terem se atrevido a passar dos 40 anos de idade. Isso muito após Balzac pregar a revolução das mulheres de 30 e Ibsen mostrar que, já em idade mais avançada, as mulheres ainda poderiam ter autonomia e sex appeal.
É, portanto, sintomático que todo o mundo esteja de olhos voltados para os 60 anos de idade que a popstar Madonna completa nesta quinta-feira, 16. A cantora, compositora e bailarina se notabilizou pelas polêmicas ao longo de uma carreira de mais de 30 anos num baú onde cabem escândalos sexuais friamente calculados, flertes com a religião e lutas contra o clamor popular de uma guerra anti-terrorismo.
Madonna iniciou a carreira com 25 anos, e seguiu subvertendo o mercado e as regras pré-estabelecidas por um establishment muito acostumado a subjugar a figura de ícones femininos a standarts sexuais. Entendendo como o jogo funcionava, logo tomou pra si as rédeas e virou o jogo declarando que se sentia “como uma virgem” e simulando uma masturbação em plena TV durante a premiação Video Music Awards – VMA, promovida pela MTV Americana.
A partir daí, nenhuma previsão sobre sua carreira foi acertada. Após o estouro de Like a Virgin, deixou de apostar no pop puramente adolescente e criou um som redondo e romântico para o álbum True Blue (1986), exaltando seu casamento com o ator Sean Pen.
Ao se ver numa relação abusiva e perigosa, deu bye bye para o amor da vida e foi ser feliz. E quando esperavam uma Madonna romântica ou mesmo amargurada, se mostrou madura e religiosamente iconoclasta ao som de Like a Prayer (1989).
Quando começaram os questionamentos sobre o fato de não ser uma cantora a ser levada a sério, lançou a trilha sonora do filme Dick Tracy, I’m Breathless (1990), no qual flertava com o jazz e cantava – com bastante desenvoltura – canções que se tornariam standarts da carreira de Stephen Sondheim – conhecido como um dos melhores compositores da Broadway.
Saiu em turnê com um show em que voltava a simular uma masturbação e – vejam vocês! – um orgasmo em cena. Uma mulher sozinha tendo prazeres orgasmáticos sem a ajuda de um homem… ainda hoje, choca.
E chocou mesmo quando apostou em uma overdose de libertação sexual ao dar vida a seu alter ego dominatrix que ganhou as páginas graças ao (regular) álbum Erotica (1992) e aos controvertidos livro Sex e filme Corpo em Evidência – aliás, um dos piores da carreira de Willem Dafoe, que a essa altura já tinha arrematado uma indicação ao Oscar e só voltaria a angariar outra em 2001.
O projeto Erotica (filme-disco-livro) deixou a barra da cantora tão suja mundo afora que mesmo Madonna precisou pedir desculpas. Mas a seu modo – Oops, I didn’t know I couldn’t talk about sex – e decidiu baixar o tom para flertar com o R&B e contar histórias de ninar em Bedtime Stories (1996).
Quando completou 40 anos, até baixou a bola e, já mãe, assumiu a figura de ex-material girl espiritualizada cantando em sânscrito (Ray of Light, 1998) e recebendo um Grammy.
Casada e se dividindo entre Estados Unidos e Inglaterra ao lado do cineasta Guy Ritchie, chegou a vestir a carapuça de esposa modelo alimentando galinhas e apostando no country em um dos melhores álbuns da década de 2000 (Music) e numa das turnês menos inspiradas de sua carreira (Drowned World Tour, 2001)
Logo depois, se envolveu com política. Não buscando voto, mas lutando contra uma guerra que, visionária, já percebia ser uma barbada. Quando os Estados Unidos decidiram invadir o Iraque no pós-11 de Setembro, a cantora já previa que algo cheirava mal no salão oval de George W. Bush e decidiu pôr a boca no mundo ao som da música pop.
Aliás, American Life, o álbum de 2003 em que criticava a guerra e o american way of life, merece um parágrafo próprio. O álbum é um dos melhores de sua discografia. No disco, a cantora dosa os arranjos eletrônicos e aposta em letras críticas e de autoavaliação. A faixa-título e o single Hollywood são dois dos melhores temas lançados pela artista, e também encabeçam pérolas pouco ouvidas, mas que ainda serão pescadas no baú da música pop, como Love Profusion, Easy Ride e Nothing Fails.
O álbum foi um fracasso, mas ainda manteve a cantora em evidência, afinal, aos 45 anos, se mostrava uma artista de atitude e conteúdo, contrariando seus críticos de todo dia. Críticos estes que renegavam a juventude e contemporaneidade que o trabalho da artista sempre exalou.
Madonna tem o talento de canalizar e expandir a próxima tendência da música, além de fazer o mundo voltar os olhos para antigas tendências já esquecidas. Foi assim quando antecipou o voguing nas pistas de dança ao som de Vogue (1990), e olhou para a Cabala quando o mundo ainda se perguntava o que estava acontecendo.
Foi assim também com a dance music, que ganhou confissões na pista de dança ao som dançante e gay de Confessions on a Dance Floor (2005), repleto de referências a ABBA, Donna Summer, entre outros nomes que brilharam na era dourada da década de 70.
Lógico que nem tudo são elogios do New York Times. A cantora flertou com o hip hop num dos momentos mais equivocados (porém mais rentáveis) da sua carreira em 2008, quando se separou e deu ao mundo uma banana ao som de Hard Candy, disco com o qual comemorou 50 anos de vida e quebrou estereótipos, namorando rapazes com menos da metade de sua idade e se mostrando tão jovial quanto os escolhidos – que rapidamente saiam de circulação.
A cantora ainda se mostrou debochada ao mostrar que não dava a mínima para o furacão Lady Gaga (MDNA, 2012) e contestou o feminismo de Camille Paglia que a via como uma traidora ao movimento por ter incorporado o sexo a sua obra. Se auto-intitulou uma “feminista má” e seguiu mostrando que feminismo não tem nada a ver com uma figura assexuada, mas uma figura que tem a segurança de se reconhecer também sexual (Rebel Heart, 2015).
Completar 60 anos significa menos para Madonna do que para o resto da sociedade. Ao entrar para o hall das sexagenárias, a cantora se torna símbolo de uma geração que ainda é ativa. Seja profissional, sexual ou socialmente, Madonna quebra com a imagem de uma senhora cansada e recatada. Pelo contrário, aos 60 anos, ainda é sexy e provocativa, comprovando que a idade não existe. O que existe é o preconceito. Mas para Madonna o único preconceito é com os que não são contestadores.