por Bruno Cavalcanti
O que teria em comum uma jovem florista analfabeta da crítica Inglaterra da década de 1910 com uma atuante escritora irlandesa defensora dos direitos humanitários do mesmo período? Bom, a primeira vista muito pouco ou nada. A não ser a atriz que dá vida a esses dois ícones femininos.
Amanda Acosta, atriz e cantora conhecida por sua atuação em musicais como Vingança e My Fair Lady, no qual viveu a protagonista Eliza Doolittle na primeira remontagem brasileira, em 2007, dá vida à Alice Milligan, a escritora que fez história ao lutar pelos direitos da humanidade ao lado do revolucionário Roger Casement.
Esse encontro é relembrado em As Duas Mortes de Roger Casement, musical que estreia nesta sexta-feira, 02 – mais conhecida como amanhã –, no Teatro Aliança Francesa. O espetáculo é, como a própria atriz define, uma “peça documentário”, na qual são relembradas conquistas de Casement e dá-se o devido holofote Milligan, uma mulher que, como muitas no decorrer dos anos, teve seu nome engolido pela história.
Acosta, contudo, não entra neste mérito. Ela prefere exaltar os feitos desta escritora quase anônima a lamentar a falta de interesse que a História devota à personagem. A atriz exalta também a forma como o projeto se apresentou a ela no momento em que, assim como Milligan, emergia em pesquisas acerca da cultura de seu país. O interesse talvez possa ser o resultado de sua imersão na obra de um dos compositores mais emblemáticos do cancioneiro popular brasileiro: Ivan Lins.
Em seu último trabalho, a atriz mergulhou no repertório do compositor de Bandeira do Divino e Começar de Novo para contar as histórias de amor do musical As Quatro Faces do Amor, de Tadeu Aguiar.
A atriz bateu um papo com a coluna e falou um pouco mais sobre a peça, sobre as relações que mantém com as personagens e o público de São Paulo que, garante, é preciso estar aberto para conquistá-lo.
Confira o papo abaixo:
Conexão Sampa: Você vive Alice Milligan, uma escritora, ativista, mas que não teve o reconhecimento histórico do Casement. Como se deu sua relação com ela?
Amanda Acosta: Realmente, só existe uma biografia dela em inglês e um museu na Irlanda com toda a história dela, com fotos, as novelas que ela escreveu, o jornal pra divulgar a cultura irlandesa, mas é só. Ela lutou muito pelo resgate da cultura irlandesa, ela ia às comunidades para ensinar o gaélico, montar os quadros vivos, que são os tablôs, ela pegava pessoas do vilarejo e montava uma cena da história da Irlanda. Ela fazia esses quadros vivos e fazia as pessoas vivenciar aquilo. Ela queria unir as comunidades católicas e protestantes por um ideal em comum que era a independência do país. A Alice foi uma mulher incrível, estou apaixonada pelo Roger e por ela. Antes de ser convidada para o projeto eu já estava numa pesquisa da cultura brasileira, da música, a influência da cultura negra, dos índios, dessa mistura e muito apaixonada pela cultura de cada população que contribuiu com a gente. Eu me identifiquei totalmente com ela. Ela e o Roger foram revolucionários e lutaram por esse resgate. O Roger ainda lutou pelos índios, negros, tribos africanas. Há muitas curiosidades sobre esses dois, a Alice, por exemplo, foi musicista também. Foi uma mulher muito atuante. Morreu velha e pobre, mas lutou pelo o que acreditava, pelos ideais, pelo povo, pela comunidade, a igualdade, enfim.
CS: Como você espera que o público reaja a uma peça que, à primeira vista, soa um tanto inacessível, visto que não são todos que conhecem a história do Casement?
AA: Eu acho que estamos nesse processo de tentar contar da melhor forma essa história. O que queremos é o envolvimento porque é um teatro documentário, não é uma estrutura romanceada, ela é bem didática. Tudo o que tem na peça é real. As falas do Roger foram tiradas do diário dele, é um desafio muito grande porque é uma estrutura muito diferente. Eu tô muito mergulhada e pra mim é desafiador trazer com o máximo de verdade e fluidez essas informações, fazer com que as pessoas embarquem na história. Espero que elas saiam curiosas, pesquisem mais, se envolvam, questionem… porque essa história se repete ainda hoje, são relações que acontecem hoje. Pessoas que levantam uma bandeira, lutam pelos direitos e são abafadas. Eu acho que tudo o que contamos é de certa forma um chacoalhão e mostrar a vida desse cara que as pessoas têm que conhecer! Ele viveu no Brasil também! Se motivarmos as pessoas, isso já será uma grande conquista.
CS: Na construção das suas personagens, o que você carrega de trabalhos anteriores? Como eles influenciam no trabalho seguinte?
AA: Eu costumo me limpar pra ouvir o que a personagem pede. Realmente a Eliza, do My Fair Lady, por exemplo, tem uma coisa parecida com a Alice, porque ela era um tipo de revolucionária dentro do mundo dela. Imagina uma mulher de rua que vai para a alta sociedade e vai atrás do ideal dela. O professor Higgens tenta detonar ela, mostra que ela é uma alienígena, porque ela era ela, e mesmo assim ela ia atrás dos seus ideais e não tinha pompa, continuava ela mesma. É um pouco parecido. O mais difícil é que a Alice existiu, é irlandesa, tem um comportamento diferente do nosso, outra forma de se colocar… é um desafio, a gente fica pensando na postura, no jeito que é diferente do jeito brasileiro. O irlandês é mais frio na relação, não é tão quente e solto como o brasileiro. Tem todos esses ajustes que a gente vai tentando captar.
CS: Qual sua relação com o público de São Paulo? Você sente diferença entre o paulista e outras praças?
AA: Tem muita diferença. O ambiente transforma as pessoas. Eu acho isso maravilhoso, temos que estar abertos para receber o público. Mesmo em São Paulo o público é diferente, às vezes as pessoas estão mais abertas ou mais fechadas, num momento que sempre dão risada, às vezes não riem. Sempre temos que estar abertos e receptivos ao púbico. Eu sinto que Belo Horizonte é uma mistura do público de São Paulo com o público do Rio de Janeiro. Tem cidades mais provincianas, tem essa coisa mais de interior, tem umas que são mais tradicionais. Mas a ideia é que sempre estejamos abertos para receber as peculiaridades de cada plateia. Essa é a beleza.
SERVIÇO:
As Duas Mortes de Roger Casement
Data: 02 de setembro a 09 de outubro (quinta a domingo)
Local: Teatro Aliança Francesa – São Paulo (SP)
Endereço: Rua General Jardim, 182 – Vila Buarque.
Horário: 20h30 (quinta a sábado) e 19h (domingo)
Preço do ingresso: R$ 50,00 (inteira)