por Olga de Mello
O Brasil já é o nono mercado editorial do mundo, com 6,2 bilhões de faturamento e 469,5 mil exemplares de livros vendidos, segundo estudo da Associação Internacional dos Editores. A gente contata esse fortalecimento dos mercados quando as livrarias começam a oferecer mais do que as brochuras que dominam a produção editorial brasileira – e não apenas os chamados “livros de arte”. Um deles, O Mundo de Downton Abbey (Intrínseca, R$ 49,90), aparentemente apenas um belo guia de programa de TV, surpreende por, além da apresentação caprichada, oferecer conteúdo bem embasado e interessante na abordagem do comportamento social em outras épocas.
Esse tipo de livro vem surgindo timidamente ao Brasil. Há alguns anos o cinema nacional e a televisão lançam publicações sobre novas produções. Um ou dois filmes de Walter Salles tiveram registro fotográfico, enriquecido com notas da produção. No entanto, este Mundo de Downton Abbey – uma série da televisão britânica sobre aristocratas ingleses e sua criadagem entre as duas guerras mundiais, no século XX, não se limita a falar sobre personagens e enredo. Assinado por Jessica Fellowes, sobrinha do criador da série, Julian Fellowes, o livro aproveita o tema para analisar a estrutura da aristocracia inglesa, que perdurou praticamente imutável ao longo de quase 200 anos, antes de ser soterrada pela Segunda Grande Guerra. Além dos depoimentos de técnicos e artistas, trata dos hábitos cotidianos dos nobres e de seus exércitos de serviçais, levantando tópicos largamente abordados na literatura inglesa, como os casamentos por conveniência, uma necessidade dentro de um grupo que privilegiava apenas o herdeiro do sexo masculino de cada proprietário de título nobiliárquico. Para manter estilo de vida semelhante ao que estavam acostumadas, as jovens ladies precisavam caçar maridos ricos. E, muitas vezes, os homens também utilizavam o mesmo expediente como salvaguarda da falência.
O sistema de primogenitura, que garantia propriedades e títulos aos filhos mais velhos, transferindo o direito, se não houvesse herdeiro direito, ao parente mais próximo do sexo masculino, foi tema recorrente na literatura inglesa. O drama das mulheres idosas, que são obrigadas a procurar outra residência ao enviuvarem, já era mostrado por Jane Austen em Razão e Sensibilidade (BestBolso, R$ 19,90). Em Os Espólios de Poyton (Companhia de Bolso, R$ 21,50), Henry James fala da fúria da viúva Mrs Gareth, que precisa deixar a casa e os preciosos objetos comprados por ela e pelo marido, devido ao casamento do filho com uma mulher pouco refinada.
À parte os casos dramáticos que a literatura explorou, na vida real, os aristocratas sabiam adaptar-se e tirar proveito das oportunidades que surgiam. Lady Almina e a verdadeira Downton Abbey – O legado perdido do castelo de Highclere (Intrínseca, R$ 29,90) é a biografia da filha ilegítima do banqueiro Alfred de Rotschild. Aos 19 anos, ela foi morar na mansão que serve atualmente como principal cenário do seriado inglês. Com sua fortuna, Lady Almina garantiu a sobrevivência da família e financiou as escavações da tumba do faraó Tutancamon, projeto de seu marido, o conde de Corcovan. Uma mulher de personalidade fascinante como Vita Sackville-West, filha de um barão, mas que perdeu título e casa com a morte do pai. Vita, que manteve um felicíssimo casamento aberto com um político bissexual, teve romances com diversas mulheres, entre elas a escritora Virginia Woolf. Sua vida é contada pelo filho Nigel Nicolson em Retrato de um casamento (Nova Fronteira, R$ 18, em sebos), partindo do diário da mãe e das próprias lembranças.
Para conhecer o outro lado do cotidiano real da aristocracia decadente, os leitores brasileiros terão que aguardar um pouco. A Intrínseca anuncia que no início de 2013 lançará no Brasil Bellow Stairs, memórias de uma cozinheira inglesa, que trabalhou, na década de 1920, em grandes mansões. No campo ficcional, Vazou Ishiguro fez do mordomo Stevens o narrador de Os Resíduos do Dia (Companhia das Letras, R$ 61,50, Contrapondo-se à dignidade e profissionalismo de Stevens, o visconde Robin Maugham, sobrinho do novelista Somerset Maugham, criou Barret, o protagonista de O Mordomo (Record, R$ 15, em sebos), que usurpa a personalidade do jovem ricaço que o emprega, no romance ambientado na Swinging London dos anos 1960.
Olga de Mello é Jornalista, carioca, escreve para sites, jornais e revistas principalmente sobre cultura, que considera gênero de primeira necessidade.
Blogs: www.arenascariocas.blogspot.com e estantescariocas.wordpress.com