por Reinaldo Paes Barreto
A parreira. Ou videira. Dia 21 de setembro é o Dia da Árvore e dia 22 começa a primavera (primeiro verão) no hemisfério sul. Vamos então saudar a parreira e, por intermédio dela, toda a Natureza.
Mas ao contrário da maioria das árvores, no entanto, a parreira precisa sempre de um calço para crescer, seja no sistema de pergolado — em que ela “cresce deitada” – seja no de espaldeira (ou latada), em que ela se enrosca em estacas pra subir. E, depois, depois despenca.

parreira em pergolado

parreira em espaldeira
Qual as vantagens e desvantagens de cada modelo? No pergolado, ela ganha volume por que não precisa “de ereção”. Ela se esparrama na horizontal. Em contrapartida, quando chove a parte de cima dos cachos fica mais molhada do que a debaixo – ou, ao contrário: depois da chuva o vento seca a parte de cima mais rapidamente e a de baixo continua úmida – o que faz com que as uvas de um mesmo cacho amadureçam em tempos diferentes, comprometendo a homogeneidade do vinho a ser produzido.
Já no sistema de espaldeira as parreiras são plantadas em forma de Y, o que faz com que o sol e o vento circulem por entre os cachos de forma abrangente e simultânea. Rende menos, no entanto.
Mas vejamos “à vol d’oiseau” (um vistaço) o itinerário desse ciclo, como os demais vindos da terra, rigorosamente sincronizado com as estações do ano: produção na primavera e verão, descanso no outono e inverno. Mas por isso mesmo para nós, do hemisfério sul, o período mais bonito “partiu” esta semana. O solo vai se aquecendo e as raízes são chamadas de volta ao trabalho. A parreira começa então a dar brotos. Os quais, por sua vez se abrem, dando início à floração, isto é, à fertilização dos óvulos que formam as chamadas grainhas. E, na sequência, as paredes do ovário da uva aumentam, dando vida à polpa e à película que protegem o bago.
Um passo atrás. Antes de chegar a esse estágio, entretanto, uma decisão importante teve que ser tomada à priori. A adubação e todo o controle de pragas, o uso de aditivos químicos, etc, seguiriam os “cânones” tradicionais? Ou, como fizeram alguns enólogos que jogaram tudo para o alto para produzir – segundo o pioneiro — um vinho “de verdade” como o definiu o aristocrata francês Nicolas Joly, que teve a coragem de transformar a sua duas vezes centenária vinícola La Coulée de Serrant em um laboratório biodinâmico, no final dos anos 90: quais as mudanças?
Vinhos orgânicos
Para começar, uma distinção que se impõe. Não é (só) o vinho que é orgânico — porque o que é orgânica, ou biológica (como designam os franceses) -– é a vinha. Ou seja: o que a legislação exige para conceder a Certificação Biológica é que os vinhos sejam produzidos a partir de parreiras sobre as quais não se apliquem agrotóxicos, herbicidas, pesticidas e outras químicas, para combater as pragas, corrigir o solo, etc. E mais: no cultivo de vinhas orgânicas, as ervas daninhas que crescem ao lado do parreiral são comidas por gansos, até o desenvolvimento dos cachos. A partir daí, os gansos são retirados, visto que comem as uvas também! Aliás, uma sacanagem com o ganso: além de não degustar o Merlot que ajudou a produzir ainda corre o risco de virar foie-gras!.
Mas tem mais: nos vinhedos ecológicos usam-se vespas para combater aranhas que furam as uvas, planta-se aveia entre as fileiras do vinhedo para fertilizá-lo e os parreirais são fincadas em encostas viradas para o leste, porque o sol da manhã é bactericida.
No Brasil, o primeiro vinho certificadamente orgânico foi apresentado ao mercado em 1997. Foi o Cabernet Sauvignon Juan Carrau Orgânico, um vinho com grande personalidade e de características marcantes.
Vinhos biodinâmicos
Aí já entramos no campo de parreiras e terroir quase místicos! A agricultura biodinâmica foi desenvolvida a partir de oito conferências do filósofo austríaco Rudolf Steiner, proferidas a agricultores da Alemanha, em 1924, onde apresentou uma tese baseada na ciência espiritual da antroposofia, lançando os fundamentos do que seria a agricultura biodinâmica. Ou seja, um ecossistema autossustentável, no qual os resíduos orgânicos devem ser reciclados e assim retornar novamente ao sistema.
Para encerrar: pode-se descrever como regras pétreas do cultivo biodinâmico a valorização do solo e da planta em seu habitat natural, através do uso de preparados e compostos de origem vegetal, animal e mineral. Mas, detalhe: a aplicações desses compostos só pode ser utilizada levando-se em consideração a influência dos astros e dos ciclos da natureza; e, ainda, esses compostos têm que ser extraídos de plantas medicinais. Admite-se, também, o uso de medicamentos homeopáticos.
E há parreirais biodinâmicos que “dormem” ouvindo música clássica!
Resumo: nessa neura causada pela pandemia, há muita gente invejando a vida dessas videiras…