por Bruno Cavalcanti
A frustração de um amor que chegou ao fim está longe de ser um tema inovador na produção dramatúrgica mundial. Dos autores mais clássicos aos mais modernos, todos já beberam da fonte de um amor fracassado para dar vida às suas obras. Davi Novaes não foge a regra em seu monólogo confessional O que Restou de Você em Mim.
Solo da paixão sobre a superação de um grande amor, o espetáculo é o primeiro texto teatral assinado pelo jovem ator e escritor de 25 anos de idade, e exala o aroma juvenil dos amores que deveriam ser para sempre, mas não são.
Assinada por Alejandra Sampaio e Virgínia Buckowski, a direção aposta em uma proposta de linguagem intimista, posicionando a plateia em um cenário que não apenas quebra a quarta parede, como também destrói toda e qualquer ambientação cênica. É o teatro pós-moderno dialogando com o que há de mais clássico.
Em cartaz no espaço cultural Zona Franca, mantido pela Velha Companhia no bairro da Bela Vista, em São Paulo (SP), a peça se passa literalmente dentro de um quarto, com uma plateia restrita a apenas oito pessoas por sessão – esgotado desde o início da temporada, em novembro.
Sem medo de soar altamente confessional, Novaes conta uma história bem construída de um relacionamento juvenil feita sob medida para gerar imediata empatia com o público – como qualquer boa história de amor. A diferença desta para tantas outras é que a dramaturgia não se priva do risco de soar datada, e dispara referências pop-contemporâneas numa construção de tons poéticos.
É, portanto, comum que o texto soe um tanto literário demais, e é a armadilha perfeita para que um ator menos preparado transforme as confissões de um amor adolescente em uma récita pretensiosa.
Contudo, Novaes se prova bem equipado cenicamente, e emboca a poesia como um relato espontâneo. É claro que o fato de o texto ter sido escrito em primeira pessoa para que o próprio autor interprete também ajuda, mas é inegável que o carisma do interprete é fator que move a encenação e prende a atenção de uma seleta plateia, que sai mexida pela experiência íntima.
Tão íntima que não permite interferências, portanto é sintomático que seja o próprio ator a operar som e luz – um desenho simples baseado apenas nos abajures e iluminação ambiente – numa montagem que valoriza, principalmente, texto e interpretação.
Outro ponto importante a se destacar é o fato de que, sem levantar bandeiras ou pregar manifestos, Novaes retrata em sua peça um amor homossexual, que deixa o gênero em segundo plano para naturalizar uma relação que, em singelas passagens, se mostra mal recebida por personagens secundários – como o bom relato sobre o primeiro encontro no cinema.
Contudo, tudo passa muito rápido, e por mais que não levante nenhuma bandeira, nem esteja preocupada em discutir qualquer ideia, a dramaturgia age com rara serenidade. Outro ponto positivo é o fato de que O que Restou de Você em Mim é um espetáculo feito por jovens para jovens sem necessariamente precisar tratar de temas tabus.
Muito natural na dramaturgia do gênero, temáticas como drogas, sexo ou a necessidade de se posicionar socialmente passam ao largo desta encenação que encontrou o equilíbrio perfeito entre o entretenimento e o experimentalismo artístico numa montagem que talvez não dialogue com a grande plateia, nem busque a catarse a todo o custo, mas toca no tempo da delicadeza cênica.
Enfim, prestes a sair de cartaz – mas com uma segunda temporada confirmada para 2019 – O que Restou de Você em Mim é um excelente experimento cênico que dialoga, enfim, com uma plateia que está cansada dos dogmas do teatro jovem. Sem medo de correr riscos, Davi Novaes faz de seu primeiro solo uma ode atemporal a paixão.
Cotação: * * * * (ótimo)
SERVIÇO:
O Que Restou de Você em Mim
Data: 23 de novembro a 16 de dezembro (sexta a domingo)
Local: Zona Franca – São Paulo (SP)
Endereço: Rua Almirante Marquês de Leão, 378 – Bela Vista
Horário: 20h
Preço do ingresso: R$ 40,00 (esgotado!)