por Reinaldo Paes Barreto
Se mais não for, registre-se pelo menos um benefício do “ficar em casa”: a produção de vinho nacional cresceu cerca de 37% de 2019 para 2020, atingindo a marca de 363,9 milhões de litros (*) do precioso fermentado de uvas plantadas, colhidas e vinificadas no Brasil.
Quanto ao aumento do consumo, nem preciso explicar muito: almoço e jantar com mais tempo disponível (e para os mais “hibéricos” com direito até uma sesta de meia-hora na pós refeição), fator de alívio do gigantesco estresse da reclusão força, por aí. Quanto ao vinho nacional: com o câmbio do euro e dólar “nos cornos da lua”, como dizem os nossos queridos lusos, mesmo com os impostos injustos o vinho brasileiro começa a ficar competitivo.
Um gole de história: aquela legião de “oriundi” que deixou o Trentino, a Toscana, o Veneto e o Bergamo (**), por volta de 1870, para produzir vinho na serra gaúcha (não há como forçar a barra: uma zurrapazinha muito sem graça, muito medíocre) merece retrato na parede e palmas dos enófilos de hoje. Só isso. Porque a maioria estaria falida atualmente.

galpão-adega dos colonos italianos
E por que? Eles escolhiam as castas, o solo, a época do plantio e da colheita, a vinificação, a marca, a garrafa, o plano de vendas, a colocação nas prateleiras e, sobretudo, o produto final – empiricamente. Não havia no grupo desses imigrantes um agrônomo formado e, muito menos, um enólogo, como nem nada parecido com alguém que entendesse de Comunicação (já nem falo em marketing) para criar “os reclames”, a ilustração dos rótulos, nada. Era tudo feito a partir da experiência do nonno. Tanto que o sistema era o do pergolado, que dava (dá) a sensação de abundância, mas que era uma “tragédia” para se fazer um produto com qualidade controlada — e homogênea. Quando chovia, por exemplo e, a seguir, soprava o vento (o sonoro minuano), a parte de cima secava e a debaixo continuava molhada.

o sistema pergolado
Moral da história: era como se fossem uvas de parreiras diferentes. E, na hora de colocar os cachos nas cestas ou caixas de madeira para levá-los aos tanques de prensagem, as de cima esmagavam as inferiores e se formava uma “paçoca” de mosto e suco.
Mais ou menos de 1970 para cá, no entanto, e em velocidade Mach3, o comando das casas vinícolas, sobretudo as gaúchas, produtoras passou para uma nova geração de vitivinicultores que decidiu “resignificar” (perdoem o clichê) toda a cadeia produtiva: trocaram o sistema de pergolado pelo de espaldeira e as parreiras passaram a ser plantadas em forma de Y , o que faz com que o sol e o vento circularem por entre os cachos de forma abrangente e simultânea.

parreiras em forma de espaldeira
E investiram muito dinheiro para transformar as velhas vinícolas em empresas com voltagem industrial 4.0. Para isso, contrataram enólogos brasileiros e estrangeiros altamente “high-techs” com liberdade para implantar tecnologias de ponta, como mais automação, internet das coisas, (o novo transporte da produção de uvas é o bin – um contaîner-robô — estações meteorológicas com envio de dados em tempo real, banco de dados “dirigido” por algorítmos, reprogramação das máquinas, etc, etc.
Ou seja, hoje o Brasil se posiciona entre os 50 maiores/melhores países produtores de vinho, em um mundo de cerca de 200 estados nacionais. De tal modo, que o último e caprichadíssimo (como todos) catálago Vinhos do Brasil (*), dos incansáveis Marcelo Copello e Sérgio Queiroz, do Grupo Baco, traz números encorajadores.
Além do aumento na produção, em volume, como disse no início, o consumo per capita também cresceu 26%, sendo que a relação dos estados produtores trouxe surpresas: o primeiro, claro, é o RGS, mas o segundo (pasmem) dá empate de dois: PE/BA, isto é, o Vale de São Francisco. Depois, Santa Catarina e ainda surpreendendo, Paraná, Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Espírito Santo e Rio de Janeiro.
Único dado de que não gosto tanto, entretanto, é que os tintos lideram o consumo com 74% da preferência. É uma injustiça com os brancos e rosés nacionais, cada vez melhores também.
Assim como em todos os segmentos da sociedade, QUEREMOS o fim da descriminação de raça, COR, gênero…ou seja, pode vinho, espumante, conhaque e até cerveja …
(**) Como os italianos vindos do Bérgamos também cultivavam tangerina, essa fruta, no RGS, é conhecida como bergamota