por Reinaldo Paes Barreto
Esta Páscoa vai ser diferente das que são celebradas pelos cristãos desde o século 9, com a conversão dos povos germânicos ao Cristianismo, quando os símbolos das festividades pagãs (antes a comemoração da Páscoa estava mais ligada ao começo da Primavera, tanto que é chamada de “ostern”em alemão e “eastern” em inglês) acabaram incorporados à celebração cristã. E desses símbolos o mais “frustrado” será a coelha (deusa da primavera) porque este anos não haverá a criançada correndo atrás de seus pulos ágeis… nem “desentocando” ovinhos de chocolate estrategicamente escondidos nos jardins ou nos cantos dos apartamentos, diante do sorriso feliz dos pais e avós. Vocês sabem o porquê.
Mas, isso vai passar. Parênteses: aliás, o meu criativo e sempre divertido amigo Lula Vieira diz que não chama mis o vírus de Covid 19 para não lhe dar intimidade, porque ele é promíscuo. Só se refere a ele como Francisco Cunha!!!
Adiante: mas por que a coelha e o ovo se tornaram marcas da Páscoa? Pelo simbolismo que uma e outro significam para as duas maiores religiões do ocidente: o cristianismo e o judaísmo. Porque a existência está ali representada pelo coelha (que antes de ser adotada pela Páscoa cristã era o símbolo da deusa-primavera), cuja capacidade de gerar ninhadas é associada à necessidade das religiões de (re)produzir novos “filhos” e pelo ovo, véspera da vida.
E como é que o chocolate entrou no jogo? Bem, a presença durante 8 séculos (9 a 17) de dos ovos “de verdade” – cozidos e pintados, e também escondidos nas calçadas e colocados em cestas, nos parques — foi paulatinamente sendo substituída por ovos de chocolates, graças à sensacional jogada de marketing (nem havia a expressão) de alguns “confiseurs” parisienses, no século 17.
Esses chocolatiers tiveram a ideia – repito: fabulosa (com trocadilho) — de fundirem as duas marcas da Páscoa para agradar a criançada e, ao mesmo tempo, colocá-los na agenda gourmet dos adultos. E num remate de criatividade associativa confeccionaram charmosos coelhos de chocolate, como os desta vitrine que eu fotografei na Rue de Rennes, em Saint Germain, há um bom par de anos.
Bom, mas talvez essa marcha a ré das ruas e igrejas para dentro de casa seja, na verdade, a metáfora mais coerente com a História de se comemorar a Páscoa — que é passagem para a Terra Prometida (não só através do Mar Vermelho, como o povo de Israel em longa marcha, conduzido por Moisés), mas para dentro de si mesmo, de cada um, para vencer a escuridão da “morte”, como Jesus no primeiro domingo da lua cheia depois da Quaresma. E ressuscitar(mos) na Alelulia de uma nova perspectiva com relação à humanidade, à nossa missão na Terra – que mostrou a força de seu resgate de anos de maus-tratos e desprezo pelo seu equilíbrio através da fúria assassina desse vírus. Só assim seremos capazes de reafirmar a confiança em nós mesmos e nos oferecermos a oportunidade para continuarmos na estrada, redivivos, reconciliados com a transcendência, marchando com o sol bem aberto na palma das mãos, como no poema do poeta português Miguel Torga.
Se Deus quiser, no próximo ano os coelhos vão poder dar saltos “olímpicos” correndo da garotada.